Maria Lamas uma Notável Mulher

Manuel Augusto Araújo

As fotografias de Maria Lamas revelam as mulheres, as dificuldades das suas vidas, a sua secundarização

Entre os mais notáveis portugueses, Maria Lamas é um vulto maior.


Nas comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril é mais que justo e justificável lembrar e homenagear Maria Lamas. É o que se pretende realizar com esta exposição na Fundação Gulbenkian, intitulada As Mulheres de Maria Lamas, que é visitável até dia 28 de Maio.

O centro da exposição são as fotografias de mulheres que ela realizou, na década de 40, percorrendo Portugal de Norte a Sul, do Litoral ao Interior, não esquecendo as ilhas. Retrata a dura realidade da vida das mulheres. Esse conjunto de fotografias foi publicado originalmente em fascículos sob o título As Mulheres do Meu País e, em 2002, em livro editado pela Editorial Caminho.

É um trabalho extraordinário que não só revela as mulheres, as dificuldades das suas vidas, a sua secundarização, como faz um minucioso registo dos seus costumes, trajes, instrumentos de trabalho. Maria Lamas, com a sua intensa sensibilidade psicológica de escritora, tradutora, jornalista, lutadora pelos direitos das mulheres, faz um levantamento sociológico, etnológico e político, ainda mais notável se o situarmos temporalmente.

A exposição dessas fotografias realizadas por Maria Lamas, publicadas noutros suportes, os referidos fascículos e o livro que os reuniu, enfrentavam uma dificuldade que não é de somenos: a dimensão das provas fotográficas. A opção foi a de dar-lhes uma dimensão estética, fora das cogitações da fotógrafa, enquadrando-as em passe-partouts de considerável dimensão que, se por um lado as realçam, por outro, de algum modo, as esvaziam da força original, do seu poder de registo e denúncia. Um dilema de difícil resolução.

Além das fotos, a exposição completa-se com a apresentação de cadernos de memórias, originais manuscritos e dactilografados, objectos pessoais como a máquina de escrever e o belíssimo retrato realizado por Júlio Pomar.

Muita da muita vida vivida por Maria Lamas não parece suficientemente inscrita tanto nesta exposição, como nos textos do seu catálogo bilingue. Ela que foi directora do Modas e Bordados, que pela sua mão deixa o registo da mulher doméstica, que é uma incansável lutadora, em lutas que nunca abandonou, pelos direitos das mulheres, pela sua dignificação, nas lutas pelas causas da paz, de constante intervenção política e suas transversais, nomeadamente na resistência ao fascismo, tudo o que é de uma evidência presente em toda a sua obra seja na escrita para crianças, seja no romance ou na grande reportagem.

Na vida política destaca-se integrando as organizações opositoras à ditadura, nomeadamente no MUD Juvenil, de que foi dirigente, no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, de que assume a Presidência da Direcção, em 1946, antes de ser dissolvido por Salazar. Paralelamente tem uma actividade internacional de grande prestígio. Participa no Congresso fundador da Federação Democrática Internacional de Mulheres (FDIM), em 1946. Representa muitas vezes as mulheres portuguesas nos Congressos da FDIM realizados no estrangeiro, em Congressos Mundiais de Mulheres, e ainda nos Congressos Mundiais da Paz.

No ano de 1975, faz a sua última viagem ao estrangeiro para participar como convidada de honra no VII Congresso da FDIM, em Berlim. Ainda a assinalar que Maria Lamas, militante comunista, é uma das fundadoras do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), a primeira signatária da escritura pública da criação deste movimento. Foi Presidente Honorária do MDM desde 1975. Esteve presente no III Encontro Nacional em 1977 e no I Congresso do MDM em 1980. Foi directora da revista Mulheres, criada em 1978.

Toda essa sua grande e intensa actividade cívica e política não tem a devida expressão nesta exposição nem nos textos do catálogo, o que não invalida a sua visita.

 



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