- Nº 2626 (2024/03/28)

Hipocrisias e obstinação militarista

Opinião

O militarismo e a guerra é sempre sustentado pela mentira e manipulação e pela hipocrisia mais suja. Vem a reflexão a propósito de dois acontecimentos recentes. O primeiro foi a aprovação pelo Conselho de Segurança da ONU (CS) da Resolução 2728 sobre a situação na Palestina (Faixa de Gaza), que «exige um cessar-fogo imediato durante o mês do Ramadão, respeitado por todas as partes, que conduza a um cessar- fogo sustentado e permanente» e sublinha «a necessidade urgente de expandir o fluxo da assistência humanitária e de reforçar a protecção dos civis em toda a faixa de Gaza».

A resolução, apresentada pelos 10 membros não permanentes do CS, foi aprovada por maioria. O único país que se absteve foram os EUA, exactamente os mesmos que dois dias antes protagonizaram uma suja manobra de manipulação à escala mundial ao apresentar no CS uma proposta de resolução que não exigia um cessar-fogo – apenas o considerava como um «imperativo» e o condicionava à libertação de prisioneiros de um dos lados do conflito –, apresentando-a na comunicação social mundial como uma resolução que «reclamava» o cessar fogo. A jogada tinha dois objectivos: ou aprovar uma resolução que impedia qualquer outra que exigisse de facto o cessar-fogo ou, caso contrário, e como foi tentado, apresentar o veto da China e da Rússia como uma rejeição do dito e falso «cessar-fogo».

A manobra falhou. Face à recusa da manipulação e perante um isolamento quase absoluto no seu apoio a Israel, os EUA viram-se obrigados a aceitar a derrota e a abster-se numa nova resolução que exige claramente um cessar-fogo sem condições prévias. Contudo, bastaram poucas horas para se perceber que nem Israel ia respeitar a resolução – coisa que é prática comum no Estado sionista –, nem a abstenção dos EUA ia alterar a sua política de apoio económico, militar e político a Israel. Foi John Kirby, Conselheiro de Segurança da Casa Branca, que afirmou na segunda-feira que a abstenção dos EUA «não significa uma mudança de rumo», que «a resolução não é vinculativa» e que, portanto, «não terá qualquer efeito em Israel e na sua capacidade de continuar a ir atrás do Hamas». Ou seja, é a própria Administração Biden que denuncia a sua hipocrisia, confirma os EUA como parte da agressão e mais uma vez dá carta branca a Israel para prosseguir a matança.

Mas não são os únicos. Nos mesmos dias em que na ONU se discutiam os termos da referida resolução, o Conselho da União Europeia reunia-se para aprovar mais milhões para instigar e alimentar a guerra na Ucrânia e um novo sistema de sanções que irá provocar ainda mais tensões a Leste e por todo mundo, para confirmar o novo dogma europeu da «economia de guerra», sustentar «a soberania europeia» e canalizar imensos recursos para o desenvolvimento da indústria da guerra que agora substitui a «dupla transição verde e digital». Pelo caminho dedicaram parcos parágrafos para regurgitar o seu hipócrita discurso sobre a Palestina, repetindo, palavra por palavra, o discurso oficial de Netanyahu e do seu governo, e acenando pela enésima vez com a já derrotada e denunciada fórmula da «pausa humanitária», sinónimo de: luz verde para a matança.

Se já não houvesse exemplos bastantes, aqui ficam mais dois que atestam a hipocrisia, desumanidade e obstinação militarista que circula pelos corredores e Washington e Bruxelas.


Ângelo Alves