PCP avança com plano de emergência para salvar e reconstruir o nosso SNS
Defender o direito à Saúde e o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como instrumento para o concretizar, como manda a Constituição, é uma exigência «sanitária, socioeconómica e democrática», salientou Paulo Raimundo, na apresentação de um plano de emergência para o SNS.
«O privado não vai resolver os problemas do acesso dos portugueses à saúde»
O Secretário-Geral do PCP encerrou a sessão de lançamento do plano de emergência, sexta-feira, 19, ao fim da tarde, em Lisboa, e começou por justificar a iniciativa por duas razões: «primeira é a de saber se o Serviço Nacional de Saúde é fundamental para garantir este direito a toda a população.» A resposta é indiscutivelmente, sim! A segunda, é se «com a política do Governo da AD podemos esperar que o SNS cumpra plenamente esse papel».
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Antes, encarregue da condução da sessão, Jorge Pires, da Comissão Política do PCP, já havia sublinhado aqueles aspectos para atestar a oportunidade do plano de emergência. E Paulo Raimundo reiterou-os, lembrando designadamente que «a AD não tem como objectivo melhorar o funcionamento do SNS, mas continuar a desvalorizá-lo, tal como fez o Governo do PS nos últimos anos, com o objectivo de impulsionar ainda mais o negócio da saúde».
Exigências
A defesa do SNS é uma exigência sanitária porque, tal como foi indispensável para a melhoria extraordinária dos indicadores de saúde no nosso País – na mortalidade infantil e materna, no aumento da esperança de vida, na prevenção de doenças evitáveis –, é «absolutamente evidente que sem o seu papel fundamental o País não vai continuar a progredir». A sua rede de proximidade, a articulação dos cuidados, a capacidade de desenvolver a prevenção da doença e sobretudo o acesso de todos aos seus serviços sem discriminações, «são características que só encontramos numa organização como o SNS».
«É uma exigência socioeconómica, porque sempre que o Serviço Nacional de Saúde recua, os mais prejudicados são os de menores recursos económicos. As dificuldades criadas ao funcionamento do SNS nos últimos anos evidenciam já esse efeito. O privado não responde nem nunca responderá a todos e não responde a todos da mesma maneira».
«É uma exigência democrática, porque o direito à saúde é essencial a uma sociedade que se queira justa e não discriminatória e porque criar discriminações no acesso aos serviços de saúde é atentar contra um dos aspectos mais básicos da igualdade entre os cidadãos, que queremos que exista no nosso País», afirmou o Secretário-Geral comunista, que voltou a justificar o plano de emergência para o SNS com a exigência de «resposta imediata e concreta, antes que a degradação, que se tem acentuado, se torne de mais difícil reversão».
Sem margem para dúvidas
O Programa de Governo, acrescentou o Secretário-Geral do PCP, não deixa margem para dúvidas: o caminho que preconiza é o da concretização da ideia de sistema nacional de saúde, «um conceito sem qualquer consagração na Constituição ou na Lei, visando a diluição do SNS e um financiamento cada vez maior para os privados, deixando desprotegidas milhões de pessoas».
Evidências disso mesmo são o facto de «não se valorizarem profissionais de saúde, questão decisiva para a recuperação do SNS», falando-se «apenas de um plano de motivação», o anúncio de «uma cada vez maior desresponsabilização do Estado, com o prosseguimento da entrega de serviços aos privados, incluindo o seu reforço em áreas como os cuidados continuados e paliativos, a saúde oral, as cirurgias, consultas e meios de diagnóstico e tratamento e até os cuidados primários de saúde, a privatização de USF e outras medidas que se adivinham nas entrelinhas do Programa do Governo», mas, também, uma maior responsabilização das autarquias».
Ou seja, em pano de fundo, «consagra-se no Programa do Governo do PSD e CDS uma lógica de suposta competitividade entre serviços públicos e privados para a prestação de serviços e o financiamento pelo Estado, o que é mais uma mal disfarçada forma de privatizar novas parcelas do SNS».
Ora, «no sector da saúde, aliás como noutros, pelas suas características próprias, a concorrência é uma ilusão». Caso singre a ofensiva da AD, «o que teremos é o privado a fazer apenas o que lhe for mais lucrativo, a seleccionar os utentes que considera mais vantajosos e a capturar o Estado em todas as áreas em que for insuficiente a resposta do sector público», alertou o Secretário-Geral do PCP.
«O privado não vai resolver os problemas do acesso dos portugueses à saúde. E independentemente do recurso pontual e transitório a alguns dos seus serviços, só com o reforço do SNS e dos seus serviços seremos capazes de garantir cuidados de saúde a todos os portugueses.
Coube a Bernardino Soares, do Comité Central, dar conta dos eixos, objectivos e medidas concretas propostos pelo PCP (ver nestas páginas).
Medidas urgentes
1- Contratar mais, atrair e reter profissionais, melhorando as condições de trabalho
- Consagrar, até ao final do primeiro semestre, a opção de dedicação exclusiva para os médicos e enfermeiros – com a majoração de 50% da sua remuneração base e o acréscimo de 25% na contagem do tempo de serviço;
- Criar, até ao fim do primeiro semestre, um novo regime de incentivo à fixação de profissionais em zonas carenciadas através da valorização da sua remuneração base, de um mecanismo específico de reforma antecipada e de um apoio para as despesas com a habitação;
- Alargar as valências no SNS, promovendo a contratação de novos profissionais, como por exemplo médicos dentistas e técnicos de saúde oral, terapeutas, técnicos de saúde visual, ou psicólogos;
- Concretizar uma revisão negociada das carreiras da área da saúde, a vigorar a partir de 2025, garantindo uma efectiva progressão nas mesmas, a melhoria das remunerações e das condições de trabalho.
- Negociar, até ao final de 2024, com as organizações representativas dos trabalhadores da saúde, um regime de promoção do regresso de profissionais saídos do SNS nos últimos anos.
- Continuar a aumentar de forma significativa as vagas disponíveis nas faculdades de medicina do ensino superior público, garantindo o necessário reforço dos meios financeiros das instituições.
2- Melhorar o acesso aos cuidados, valorizar a prevenção da doença e a promoção da saúde. Assegurar o acesso aos medicamentos.
- Garantir até final de 2025 médico e enfermeiro de família para toda a população nos cuidados primários de saúde do SNS, podendo ser criados mecanismos especiais de apoio à contratação;
- Programar a recuperação das listas de espera em consultas de especialidade, cirurgias, exames e tratamentos, predominantemente assente no aumento da capacidade dos serviços públicos;
- Garantir, até ao final de 2024, a existência de meios de diagnóstico e terapêutica de menor complexidade em todos os centros de saúde;
- Garantir até ao final de 2025 a existência de uma rede de urgências básicas ou atendimentos permanentes, facilmente acedíveis em todo o território, para acorrer às necessidades de saúde agudas que dispensem intervenção hospitalar.
- Garantir cuidados de saúde oral, de saúde visual, de medicina física e de reabilitação e de nutrição em todos os centros de saúde, de forma progressiva até final de 2025;
- Garantir o pleno acesso aos cuidados medicamentosos, promovendo a gratuitidade para maiores de 65 anos, doentes crónicos ou com carências económicas, incentivando o uso de medicamentos genéricos e prevenindo as roturas de disponibilidade;
- Aumentar em 100% nos próximos quatro anos, a capacidade de resposta em cuidados continuados e cuidados paliativos, em particular nas regiões mais carenciadas;
- Promover a avaliação da reabertura de extensões, centros de saúde e serviços hospitalares encerrados nos últimos 12 anos, dando prioridade à proximidade às populações;
- Reforçar as Equipas Locais de Intervenção (ELI), recuperando as significativas listas de espera existentes;
- Reforçar os cuidados de saúde mental, reforçando os meios humanos e materiais que lhes estão dedicados e garantindo a sua presença em todas as fases da vida e, designadamente, em meio escolar e laboral;
3- Reforçar meios financeiros e técnicos, aumentar a capacidade do SNS.
- Adequar o financiamento do SNS às necessidades do seu funcionamento e reforçar o investimento público;
- Aumentar a capacidade hospitalar do SNS, modernizando e actualizando as unidades existentes, planeando e construindo mais unidades e aumentando o número de camas de internamento de agudos;
- Renovar e modernizar equipamentos de diagnóstico e terapêutica, nomeadamente o designado por equipamento pesado, com destaque para a área de oncologia.
4- Um SNS com melhor organização, articulado e com gestão democrática.
- Gestão pública de todas as unidades do SNS e dos respectivos serviços, sejam de prestação directa de cuidados sejam de apoio, garantindo a sua autonomia e promovendo a internalização do que foi entregue aos privados;
- Escolher por concurso público o director executivo nos ACES e o presidente do conselho de administração nos hospitais, sendo eleitos os restantes cargos de administração e gestão clínica;
- Reverter o actual modelo de Unidades Locais de Saúde;
- Uniformizar em todo o País um só modelo de funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF), incentivando o funcionamento por ganhos em saúde, eliminando da lei as USF C e revogando as alterações recentes que criam constrangimentos à autonomia dos profissionais de saúde no seu exercício.
5- Disciplinar as relações do Estado com o sector privado e promover a sua verdadeira fiscalização
- Reforçar os meios de fiscalização dos contratos do SNS com o sector privado, bem como as obrigações de transparência e fiscalização efectiva na sua actividade directa com os utentes;
- Racionalizar gastos com medicamentos, designadamente de consumo hospitalar, reforçando os meios do Infarmed e das comissões de farmácia e terapêutica de cada unidade;
- Promover a crescente utilização de medicamentos genéricos e biossimilares, garantindo a racionalização dos custos sem perda de acesso dos utentes.