Nas cadeias dos homens que não cometeram crimes

No dia 27, pelos 50 anos da libertação dos presos políticos, a URAP promoveu iniciativas nas antigas prisões fascistas de Caxias e do Forte de Peniche. Neste último foi inaugurado o Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL).

A luta por causas justas pode demorar tempo, mas acaba por vencer

Dezenas de autocarros partiram de todo o País, eo Avante! foi num deles, entre os muitos democratas que quiseram honrar uma memória que não deve ser apagada: a da luta.

Chama viva da resistência
Junto àescultura evocativa da libertação dos presos de Caxias, símbolo da chama viva da resistência, decorreu uma primeira iniciativa, apresentada por Ana Pato, da URAP.

«Humilhações, torturas, sevícias de toda a ordem», assim descreveu Mário Araújo, do Conselho Nacional da URAP, as prisões pelas quais passou, numa luta em que, entre muitos democratas, os comunistas assumiram um papel notável. «Os valores de Abril estão vivos»na consciência do povo, teve também oportunidade de realçar.

Também intervieram Caldeira Santos (militar revolucionário, pela Associação 25 de Abril), que afirmou que «não podemos desistir dos nossos sonhos de um mundo melhor», e Isaltino Morais, presidente da Câmara Municipal de Oeiras, que recordou o trabalho conjunto com a URAP na feitura daquele monumento.

Honrar os que lutaram
Em Peniche, milhares de democratas, muitos que sofreram a repressão fascista, e outros, jovens, que não deixam esquecer o horror, saíram às ruas em desfile rumo ao forte onde foi inaugurado o MNRL, encabeçados pela Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (também presente em Caxias).

Dentro do museu, concentraram-se, junto ao palco montado, para comemorar a inauguração do MNRL.

Aqui, José Pedro Soares, coordenador da URAP, emocionado com a recordação do que foi passar pela prisão, afirmou que «a luta por causas justas pode demorar tempo», mas, como no caso português, acaba por vencer.

O dirigente lembrou a libertação dos presos políticos no início do dia 27: contra «as resistências de Spínola», o povo gritou «ou saem todos, ou não sai nenhum».

José Pedro Soares recordou, ainda, o combate para transformar o forte no MNRL, contra as intenções do Governo, que pretendia ali abrir uma unidade hoteleira. Com a acção da URAP e outros democratas (e o apoio destacado do PCP), no entanto, foi entregue uma petição à Assembleia da República, que desencadeou o processo que levou à criação do museu.

Ainda de manhã decorreu a inauguração oficial do MNRL, que contou com a participação de diversas figuras, entre as quais o Presidente da República e do comunista Domingos Abrantes.

Os que não foram meninos
Por seu lado, Herculana Velez, filha de resistentes que mergulharam na clandestinidade, falou daquela «cadeia dos homens que não cometeram crimes», onde os seus pais estiveram presos. «Durante quatro anos não convivi com nenhuma criança, pois se a curiosidade infantil me impelisse a assomar a uma janela, poderia denunciar algum sinal que comprometesse a segurança clandestina da família e de outros camaradas», sublinhou.

«Peço-vos que, ao olharem para mim, não me vejam como uma mulher de 70 anos, vejam uma menina com sete, oito, 10, 15 anos, ali, na entrada daquele portão, nos mais rigorosos Invernos ou nos mais tórridos Verões», disse.

Em solidariedade
«Nós estamos aqui a comemorar hoje uma data extraordinária», teve oportunidade de afirmar Paulo Raimundo, em Peniche. «O fim do fascismo, o fim das prisões», frisou, lembrando que «juntos derrubámos o fascismo, libertámos os homens e mulheres destas prisões».

O Secretário-Geral esteve acompanhado por João Oliveira (primeiro candidato ao PE),Ângelo Alves e José Capucho, todos dos organismos executivos do Comité Central.

Também uma delegação da Federação Internacional de Resistentes (participante na conferência internacional da URAP) marcou presença, dirigida pelo seu secretário-geral, Ulrich Schneider, que entregou, em Peniche, um livro sobre a luta contra o fascismo na Europa, entre 1922 e 1945, a Aida Rechena, directora do MNRL.

Nas paredes da prisão
Dentro do museu, são muitas as informações sobre o fascismo e a resistência, e longos os corredores onde se encontram as celas da prisão. Ali, no terrível contraste entre a beleza da encosta à beira-mar e o horror das masmorras fascistas, estiveram muitos comunistas e outros democratas, entre os quais Álvaro Cunhal (cuja cela é especialmente assinalada), com nomes são inscritos lados num gigantesco mural metálico.

Numa das paredes, erguem-se as fotos dos que, como o então Secretário-Geral do PCP, Bento Gonçalves, morreram nas prisões do fascismo: os que nunca puderam ver a cor da liberdade.



«Na tarde de 20 de Maio de 1962, saiu da fortaleza um preso com duas malas nas mãos e seis anos e meio de cárcere. (…) Uma mulher do largo aproximou-se sem medo. “Está a sair da fortaleza?” “Sim.” “Deixe-me dar-lhe um abraço.” O preso pousou as malas e abraçaram-se profundamente. Nunca mais esqueceu aquele abraço. Hoje, alarga-o a todo o povo de Peniche».
Excerto do texto do ex-preso político António Borges Coelho, lido por Guilherme Vaz em Peniche





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