As teses do senhor ministro da Economia

Pedro Massano

Com esta po­lí­tica a eco­nomia não ace­lera e a ex­plo­ração não abranda

Ao cen­té­simo dia da agenda do Go­verno, o mi­nistro da Eco­nomia foi ou­vido no Par­la­mento numa au­dição que não fi­cará na me­mória de nin­guém, mas onde se ouviu outra vez o vas­tís­simo pen­sa­mento eco­nó­mico que varre a opi­nião pu­bli­cada, a aca­demia, o Mi­nis­tério e um Go­verno ao ser­viço da classe do­mi­nante, quase sem con­tra­di­tório.

De an­temão se adi­vi­nhava que o tema da au­dição seria as 60 me­didas des­ti­nadas a «ace­lerar a eco­nomia», anun­ci­adas pre­vi­a­mente e ven­didas pelo ba­ta­lhão de co­men­ta­dores e ser­vi­çais com selo de qua­li­dade das con­fe­de­ra­ções pa­tro­nais. É mais uma peça da es­tra­tégia que está a ser apli­cada a todas as áreas da go­ver­nação e que só abran­dará quando, em nome da «fle­xi­bi­li­dade» e da «mo­der­ni­dade», che­garem à le­gis­lação la­boral: anun­ciar muito, de­ta­lhar pouco e fun­da­mentar nada, para não haver o risco de serem es­cru­ti­nados e des­men­tidos pela re­a­li­dade e para tentar es­conder a mão bem vi­sível do ca­pital mo­no­po­lista que do­mina toda a eco­nomia e ma­nobra todo o go­verno.

Das 60, nem uma foi quan­ti­fi­cada nos custos, prazos e ob­jec­tivos, nem os des­ti­na­tá­rios foram iden­ti­fi­cados. São me­didas para «as em­presas», como se o talho do se­nhor Mar­tins e a Je­ró­nimo Mar­tins fossem a mesma coisa e como se não fosse uma evi­dência em­pí­rica que as grandes em­presas es­magam as pe­quenas ou como se a po­lí­tica do Go­verno olhasse para as di­fi­cul­dades das MPME com o mesmo amor com que pro­tege e fa­vo­rece a acu­mu­lação as­tro­nó­mica de lu­cros.

Nin­guém tinha dú­vidas de que as me­didas, onde surge à ca­beça a re­dução do IRC e mais be­ne­fí­cios fis­cais, foram es­critas pelos grandes pa­trões à me­dida dos seus in­te­resses. Porque se fossem me­didas di­ri­gidas às MPME focar-se-iam no au­mento geral e sig­ni­fi­ca­tivo do poder de compra dos tra­ba­lha­dores – uma vez que 85% das em­presas de­pendem do mer­cado in­terno – e na re­dução dos custos com energia, cré­dito, se­guros, com­bus­tí­veis, ma­té­rias-primas, te­le­co­mu­ni­ca­ções, ou seja, tudo o que re­pre­senta, em média, 70% dos custos das MPME e que são for­ne­cidos, pre­ci­sa­mente, pelos mo­no­pó­lios ge­ridos pelas grandes em­presas.

Mas o mi­nistro in­sistiu em dis­farçar e as­se­gurou que tudo foi «tra­ba­lhado, de­se­nhado e pen­sado com os em­pre­en­de­dores, os in­ves­ti­dores e sta­kehol­ders» e que há «fi­chas téc­nicas onde tudo está de­ta­lhado». No en­tanto, ao fim de mais de três horas, nem por ini­ci­a­tiva pró­pria, nem pe­rante os ques­ti­o­na­mentos do PCP foi dado um único es­cla­re­ci­mento, muito menos um de ordem téc­nica. Por es­que­ci­mento não foi cer­ta­mente porque a fraude só so­bre­vive assim.

Afirmou-se até à náusea e com ar cre­dível e sério que «apoiar as grandes em­presas é apoiar toda a eco­nomia», que «ajudar as grandes em­presas é be­ne­fi­ciar as MPME»,como se o abuso de po­sição do­mi­nante não exis­tisse todos os dias, e que «as MPME gostam das grandes em­presas porque é com elas que se podem mo­der­nizar, in­ter­na­ci­o­na­lizar e ga­nhar es­cala».

E toda esta alar­vi­dade só podia con­duzir à tese cen­tral: «sem cres­ci­mento eco­nó­mico, sem em­presas a ter lu­cros e o au­mento da pro­du­ti­vi­dade não há con­di­ções para au­mentar os sa­lá­rios». Assim, de uma pe­nada, se quer negar que os lu­cros e a acu­mu­lação ca­pi­ta­lista só existem pre­ci­sa­mente à custa da ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores e da com­pressão do preço da força de tra­balho – o sa­lário – e que, apesar dos lu­cros serem obs­cenos, nem assim os sa­lá­rios au­mentam em pro­porção se­quer si­milar.

A tudo foi di­zendo «o que eu ouço as em­presas dizer é que pre­ci­samos de», sempre se­guido de uma ex­pressão má­gica que não diz nada, mas que soa sempre bem, como «crescer», «ser com­pe­ti­tivos», «ser mais pro­du­tivos», «ser mais ino­va­dores», «ser mais atrac­tivos», «ter menos im­postos», «fusão de em­presas», «ga­nhos de es­cala». Nunca re­ve­lando que quem lhe fala ao co­ração são as 43 grandes em­presas da Bu­si­nees Round­table Por­tugal e não as MPME.

Uma coisa é certa, com esta po­lí­tica a eco­nomia não ace­lera, a ex­plo­ração não abranda e sem luta os tra­ba­lha­dores e o País vão ficar a marcar passo.

 



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