SNS defende-se com a luta

Na vés­pera de uma greve na­ci­onal de en­fer­meiros e uma se­mana de­pois de uma greve de mé­dicos, a va­lo­ri­zação dos pro­fis­si­o­nais so­bressai como me­dida ur­gente e es­tra­té­gica para de­fender o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde e es­tancar a san­gria do Or­ça­mento do Es­tado para aqueles que lucram com o ne­gócio da do­ença. Os sin­di­catos deixam claro que as lutas têm por ob­jec­tivo úl­timo a me­lhoria do SNS pú­blico e para todos.

A va­lo­ri­zação dos en­fer­meiros sig­ni­fica, para o Go­verno, 52 euros só em início de car­reira

A greve de amanhã, nos turnos da manhã e da tarde, foi de­ci­dida pelo Sin­di­cato dos En­fer­meiros Por­tu­gueses a 16 de Julho, porque «é obri­ga­tória a va­lo­ri­zação dos en­fer­meiros e a me­lhoria das suas con­di­ções de tra­balho».

No dia 26, sexta-feira, o SEP/​CGTP-IN con­gra­tulou-se pelo facto de o Mi­nis­tério da Saúde, na reu­nião re­a­li­zada na vés­pera, ter acei­tado re­tomar as ne­go­ci­a­ções, de acordo com o es­ta­be­le­cido no Pro­to­colo Ne­go­cial, mar­cando a reu­nião se­guinte para dia 31. O sin­di­cato su­bli­nhou que «a onda de in­dig­nação dos en­fer­meiros e a sua mo­bi­li­zação para a greve na­ci­onal» foram de­ter­mi­nantes para este re­sul­tado.

No en­tanto, pe­rante a pro­posta de va­lo­ri­zação da Car­reira de En­fer­magem apre­sen­tada pelo Mi­nis­tério, «manter a greve é a única so­lução».

Na manhã do dia de luta, vão re­a­lizar-se con­cen­tra­ções de en­fer­meiros em al­guns hos­pi­tais, como foi anun­ciado para o Hos­pital José Jo­a­quim Fer­nandes, em Beja, às 9h30, para o Hos­pital de São João, no Porto, às 11 horas, e o Hos­pital de São José, em Lisboa, às 12 horas.

Ao con­vocar a greve, o SEP in­dicou «ra­zões ob­jec­tivas» para a sua re­a­li­zação, co­me­çando pelo não cum­pri­mento do com­pro­misso do Go­verno de apre­sentar uma pro­posta de al­te­ração à grelha sa­la­rial, na reu­nião da as­si­na­tura do Pro­to­colo Ne­go­cial (adiada duas vezes).

No dia 18, em nova reu­nião, o Mi­nis­tério re­clamou a sus­pensão da greve, mas não des­mentiu as no­tí­cias sobre a me­dida da tão pro­pa­gan­deada va­lo­ri­zação dos en­fer­meiros: mais 52 euros, para quem es­tiver nas pri­meiras po­si­ções re­mu­ne­ra­tó­rias de cada ca­te­goria, ex­cluindo todos os de­mais.

 

Sem res­postas

O Mi­nis­tério con­tinua a im­pedir a vin­cu­lação de­fi­ni­tiva dos vín­culos pre­cá­rios e a aber­tura de con­cursos para acesso às ca­te­go­rias de En­fer­meiro Es­pe­ci­a­lista e En­fer­meiro Gestor. Per­siste o pro­blema das en­fer­meiras es­pe­ci­a­listas que es­tavam no gozo da li­cença pa­rental, quando da tran­sição para a ac­tual car­reira. Não foi mar­cada a reu­nião so­li­ci­tada pelo SEP para, ex­clu­si­va­mente, abordar pro­blemas nos Cui­dados de Saúde Pri­má­rios.

Do Mi­nis­tério também não surgiu ne­nhuma pro­posta para pagar as horas em dí­vida.

Por cum­prir con­tinua a re­so­lução das in­jus­tiças re­la­tivas, na con­tagem de pontos para evo­lução na car­reira.

Outro pro­blema de vulto, nas con­di­ções de tra­balho, de­corre de os en­fer­meiros serem con­vo­cados, por todo o País, para tra­ba­lharem além do seu ho­rário normal. Essas horas a mais, «na maior parte dos casos, não são pagas, ou são pagas como tra­balho normal», ex­plicou o SEP, re­cla­mando que os pro­fis­si­o­nais nesta si­tu­ação possam ter tempos de des­canso, como com­pen­sação.

De­vido à ca­rência de en­fer­meiros (sendo a con­tra­tação de mais pro­fis­si­o­nais uma rei­vin­di­cação de há muito), tornou-se sis­te­má­tico o re­curso a tra­balho ex­tra­or­di­nário, o que agrava o risco e a pe­no­si­dade do exer­cício da pro­fissão, exi­gindo-se que sejam con­sa­gradas formas de com­pensar estes fac­tores.

Por fim, é re­a­fir­mado que as 35 horas se­ma­nais devem vi­gorar como re­gime de tra­balho dos en­fer­meiros.

 

O alerta dos mé­dicos

A greve de 23 e 24 de Julho, com uma adesão média de 75 por cento, foi um alerta ao Mi­nis­tério da Saúde, sa­li­entou a Fe­de­ração Na­ci­onal dos Mé­dicos, pre­ci­sando: «é ur­gente ne­go­ciar, e em tempo útil, a ac­tu­a­li­zação das gre­lhas sa­la­riais, para es­tarem ins­critas no Or­ça­mento do Es­tado de 2025, e as con­di­ções de tra­balho, como a re­visão do pe­ríodo normal de tra­balho se­manal, tendo em vista a re­po­sição das 35 horas, e a rein­te­gração dos mé­dicos in­ternos na car­reira».

Uma greve ao tra­balho su­ple­mentar, nos cui­dados de saúde pri­má­rios, de­corre até 31 de Agosto, com os mesmos ob­jec­tivos.

Para a FNAM e os seus sin­di­catos, os 31 mil mé­dicos do SNS devem ter «sa­lá­rios justos e con­di­ções de tra­balho dignas, para ga­rantir os me­lhores cui­dados de saúde à po­pu­lação, num SNS pú­blico, uni­versal e de qua­li­dade». «Apro­fun­da­remos as formas de luta, até que a in­tran­si­gência e a tei­mosia do Mi­nis­tério de Ana Paula Mar­tins dê lugar à ver­da­deira von­tade ne­go­cial, para haver mais mé­dicos no SNS», as­se­gurou a fe­de­ração.

O Go­verno não deu mos­tras de pre­tender al­terar o seu rumo, antes pelo con­trário, como se viu nos mais re­centes di­plomas, sobre o pa­ga­mento do tra­balho su­ple­mentar dos mé­dicos e o novo «ín­dice de com­ple­xi­dade dos utentes».

O Mi­nis­tério «quer in­cen­tivar os mé­dicos a fa­zerem mais horas, para além do seu ho­rário normal», acusou a FNAM, que exigiu a cla­ri­fi­cação das omis­sões que de­tectou no De­creto-Lei 45-A/​2024. Este «não “re­com­pensa” o tra­balho su­ple­mentar», pois abrange «tra­balho normal, pago através de um banco de horas ilegal, à luz dos acordos co­lec­tivos de tra­balho dos mé­dicos», e vem criar «a pos­si­bi­li­dade de alar­ga­mento do pe­ríodo normal de tra­balho de forma ili­mi­tada».

Há um acrés­cimo re­mu­ne­ra­tório, entre 50 e 100 por cento do valor-hora, mas não se aplica ao tra­balho diurno, de se­gunda a sexta-feira e ao sá­bado, até às 13 horas. Pro­tes­tando contra a in­tenção de não pagar estas horas, a FNAM sa­li­entou que a acei­tação deste tra­balho normal, além das 40 horas se­ma­nais, através de blocos de 40 horas, tem de ser feita através de uma «de­cla­ração ne­go­cial e uni­la­teral».

Aos mé­dicos, a fe­de­ração dis­po­ni­bi­lizou mi­nutas de de­cla­ra­ções de: in­dis­po­ni­bi­li­dade para a re­a­li­zação de tra­balho diurno além do ho­rário, em dias úteis e aos sá­bados entre as 07h00 e as 13h00; in­dis­po­ni­bi­li­dade e ex­pressa falta de von­tade para aceitar pa­ga­mento de tra­balho em blocos; re­cusa a todo o tra­balho que ul­tra­passe os li­mites le­gais do tra­balho su­ple­mentar.

Para fixar mé­dicos no SNS, a FNAM exige «ne­go­ci­a­ções sé­rias, para um sa­lário-base justo e con­di­ções de tra­balho dignas, ao invés do re­curso ao tra­balho su­ple­mentar ou in­cen­tivos vo­lá­teis, em troca de mais tra­balho, que pro­movem a exaustão e co­locam a se­gu­rança dos do­entes em risco».

 

Gra­vi­dade exige res­posta de emer­gência

Cons­truído com a de­di­cação dos seus pro­fis­si­o­nais, desde sempre, o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde tem so­frido cons­tante ataque dos go­vernos su­ces­sivos de PS, PSD e CDS. Ocul­tado pelas de­cla­ra­ções for­mais, o ob­jec­tivo da po­lí­tica de di­reita tem sido a des­truição deste ser­viço pú­blico, que as­se­gura o cum­pri­mento de um di­reito ins­crito na Cons­ti­tuição. Em si­mul­tâneo, tem sido fa­ci­li­tado o de­sen­vol­vi­mento de grandes ne­gó­cios com a do­ença.

Hoje, com o Go­verno PSD/​CDS, não se al­terou e apro­funda-se a linha que marcou os go­vernos do PS, per­sis­tindo no de­sin­ves­ti­mento, que agrava a de­gra­dação dos ser­viços e em­purra mé­dicos e en­fer­meiros para clí­nicas e hos­pi­tais dos grupos pri­vados (onde também se de­sen­volve a luta, de­vido ao des­con­ten­ta­mento pro­vo­cado pelas con­di­ções ofe­re­cidas, par­ti­cu­lar­mente no que toca à en­fer­magem).

O PCP, no dia 11 de Julho, re­a­lizou uma au­dição par­la­mentar, com par­ti­ci­pação de di­ri­gentes sin­di­cais e de or­dens pro­fis­si­o­nais, de co­mis­sões de utentes e ins­ti­tui­ções aca­dé­micas, in­sis­tindo na ur­gência de al­terar o rumo e dar efec­tiva res­posta aos pro­blemas do SNS. Foi re­a­fir­mada a ac­tu­a­li­dade e a ne­ces­si­dade de co­locar em prá­tica as me­didas que constam no «pro­grama de emer­gência para o Ser­viço Na­ci­onal de Saúde», apre­sen­tado em Abril.

As lutas dos pro­fis­si­o­nais do SNS têm me­re­cido em­penho, apoio e so­li­da­ri­e­dade dos co­mu­nistas. O PCP de­fende a va­lo­ri­zação dos sa­lá­rios e a me­lhoria das con­di­ções de tra­balho como uma me­dida es­sen­cial para reter os que hoje tra­ba­lham no SNS e também para atrair e con­tratar mais pro­fis­si­o­nais, ne­ces­sá­rios em pra­ti­ca­mente todas as áreas.

As li­nhas de in­ter­venção em que estão agru­padas as me­didas ur­gentes, pro­postas pelo PCP, in­cluem ainda: me­lhorar o acesso aos cui­dados, va­lo­rizar a pre­venção da do­ença e a pro­moção da saúde, as­se­gurar o acesso aos me­di­ca­mentos; re­forçar os meios fi­nan­ceiros e téc­nicos e au­mentar a ca­pa­ci­dade do SNS; me­lhorar a or­ga­ni­zação do SNS, como ser­viço ar­ti­cu­lado e com gestão de­mo­crá­tica; dis­ci­plinar as re­la­ções do Es­tado com o sector pri­vado e pro­mover a sua ver­da­deira fis­ca­li­zação.