«PAIGC e PCP têm um percurso comum de resistência e liberdade»

«Amílcar Cabral e o PAIGC continuam na alma e no coração do povo guineense»

Lusa

Fidélis Gomes, membro do Comité Central do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), em entrevista a este jornal, abordou a situação no seu país. Apesar das dificuldades do presente, está confiante em relação ao futuro, até porque, ressalta, «Amílcar Cabral e o PAIGC continuam na alma e no coração do povo guineense».

Pode caracterizar a actual situação na Guiné-Bissau, em particular quanto ao exercício das liberdades e dos direitos democráticos e ao normal funcionamento das instituições?

Agradeço esta oportunidade ao Avante! e aproveito a ocasião para, em nome do Comité Central do PAIGC, endereçar as nossas saudações fraternais à direcção e aos militantes do Partido Comunista Português. Quero enaltecer a importante contribuição do Partido Comunista Português no apoio à luta de libertação nacional dirigida pelo PAIGC. Apoio desde o V Congresso do PCP, em 1957, organizado na clandestinidade, que aprovou uma resolução defendendo o fim da dominação portuguesa sobre os povos das então colónias africanas. O PAIGC considera importante esse gesto de solidariedade, porque foi um incentivo para a continuação da luta, um ano depois da fundação do PAIGC, em 1956. O PAIGC e o PCP têm um percurso comum, uma história comum de resistência e de liberdade.

A República da Guiné-Bissau nasceu da luta de libertação nacional conduzida por Amílcar Cabral, cujos 100 anos, a 12 de Setembro, comemoramos por estes dias. O país vive uma deriva ditatorial terrível contra os direitos humanos, uma tentativa de abolição das liberdades de expressão e de manifestação. Por exemplo, hoje, um cidadão não pode celebrar o centenário de Amílcar Cabral. Isso foi proibido por despacho de um ministro do governo, a mando do presidente da República, despacho que proíbe a afixação de dísticos ou cartazes alusivos a Amílcar Cabral, sem pedido de autorização prévia por escrito.

A luta contra esta situação exige a solidariedade internacional e apelamos aos comunistas e a outras forças progressistas para juntos denunciarmos esta deriva ditatorial que surgiu na Guiné-Bissau com apoio de partidos de direita e de pessoas com filosofias contrárias aos valores que sempre defendemos, de humanidade e liberdade. E, ao povo português e aos seus representantes institucionais, pedimos solidariedade. Se em Portugal existem liberdades democráticas, por que não hão-de existir na Guiné-Bissau?

Neste quadro, quais são as principais tarefas e prioridades de intervenção do PAIGC?

O PAIGC, recentemente, convidou quatro das cinco forças políticas com representação parlamentar para formar uma frente única na luta pela liberdade, pela reposição da ordem constitucional. É preciso não esquecer que há um ano realizaram-se eleições legislativas, organizadas pelo poder controlado pelo presidente da República e seu governo. O PAIGC, contra todos os obstáculos – até o avião que transportava materiais de propaganda para a campanha eleitoral foi impedido de aterrar em Bissau –, conseguiu eleger 54 deputados, dos 102 que constituem o parlamento, uma maioria absoluta. Isso permitia, num contexto normal, democrático, que o PAIGC governasse com tranquilidade.

Mas nós fomos mais além e convidámos outros partidos a aderir à governação do país, formando uma muito ampla maioria. Apenas quatro meses depois, foi criada uma «crise» artificial, inventando-se uma tentativa de golpe de Estado. Foi uma maquinação para justificar uma medida de destruição da democracia: o presidente da República dissolveu, ilegalmente, a Assembleia Nacional Popular [cujo presidente eleito é o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira] e formou um «governo de iniciativa presidencial», figura que não existe no nosso ordenamento constitucional. Fala-se agora na convocação de eleições legislativas, mas o PAIGC já se pronunciou, afirmando que a marcação de tais eleições é inconstitucional. Não têm sentido tais eleições.

O que se deve fazer, sim, é convocar eleições presidenciais, de acordo com a Constituição, já que o mandato do actual chefe do Estado termina em Fevereiro de 2025.

Como vê os entraves que os actuais governantes da Guiné-Bissau colocaram às comemorações, no país, dos 100 anos de Amílcar Cabral?

O PAIGC iniciou a 20 de Janeiro, aniversário do assassinato de Amílcar Cabral, as actividades que assinalam o centenário do seu nascimento. Tentar impedir tais comemorações é uma vergonha para os governantes do país. Um Partido que foi criado por Amílcar Cabral, um Partido que protagonizou a luta de libertação nacional e a proclamação do Estado da Guiné-Bissau, um Partido que obteve a maioria absoluta nas últimas eleições legislativas – vê proibida uma delegação sua de colocar flores no mausoléu de Amílcar Cabral! Isso tem algum sentido?

Há coisas inacreditáveis, como isso de proibir a deposição de coroas de flores no mausoléu do nosso herói nacional. Mas não tenho dúvidas de que ultrapassaremos essas dificuldades – Amílcar Cabral e o PAIGC continuam na alma e no coração do povo guineense.



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