Os problemas ambientais sublinham os limites históricos do capitalismo

As “soluções” apresentadas para os problemas ambientais afunilam sempre no sentido da mercantilização da Natureza

O sistema capitalista introduziu perturbações dramáticas no metabolismo entre a Humanidade e a Natureza. A gananciosa exploração dos recursos naturais, e do homem pelo homem, intensificou o confronto com os limites naturais. O capitalismo só atribui valor à Natureza na medida em que a sua apropriação necessita de trabalho produtor de mercadorias. Confundindo sempre valor com preço, avançaram nas últimas décadas com a financeirização das políticas ambientais e atribuição de preço às funções dos ecossistemas. Tentam esconder o facto de que políticas ambientais baseadas no mercado terão sempre como objectivo principal atingir o óptimo em termos do capital e não em termos ambientais, pelo que introduzirão sempre mais desequilíbrios.

Os problemas ambientais são graves e estão sobretudo relacionados com modo de produção dominante. Como se identifica nas Teses – Projecto de Resolução Política do XXII Congresso do PCP, estamos confrontados com a «perda de biodiversidade, a destruição e fragmentação de habitats, a degradação e erosão dos solos, a seca e a contaminação de massas de água, a degradação da qualidade do ar, a erosão costeira, os incêndios florestais, a poluição sob múltiplas formas». «As alterações climáticas geram efeitos e têm consequências em múltiplos aspectos. Assiste-se à instrumentalização pelo capital das preocupações com a degradação do ambiente e as alterações climáticas, não para responder ao necessário equilíbrio entre o homem e a Natureza de que este faz parte, mas para abrir novas áreas de negócio.»

Face à importância e finitude de recursos, multiplicam-se esforços e movem-se poderosas forças, mas as “soluções” apresentadas afunilam sempre no sentido da mercantilização da Natureza. Os capitalistas têm como único motor o lucro e a acumulação de capital, o que torna congénita a impossibilidade de conseguirem olhar mais além disso. Daí a vertigem de políticas desreguladoras e liberalizadoras do comércio mundial, assentes em fluxos materiais e de energia cada vez mais irracionais. O aprofundamento dos problemas ambientais é portanto mais um elemento da crise estrutural do capitalismo, que o capital pretende a ultrapassar pela intensificação da exploração dos trabalhadores, invenção de novas tecnologias, descoberta de novas matérias-primas e abertura de mercados globais e mecanismos neocoloniais.


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Como é apontado nas Teses, o «capitalismo instrumentaliza reais e legítimas preocupações com o meio ambiente, tem na realidade outros objectivos: a financeirização das questões ambientais; a mercantilização da Natureza e dos seus recursos; a imposição de renovadas formas de domínio económico no plano internacional, tentando manter a supremacia das potências imperialistas no domínio das matérias-primas e tecnologias de produção de energia; a tentativa da responsabilização individual por problemas que são sistémicos; ou a instrumentalização das questões ambientais como pretexto para ataques aos direitos, à soberania e à democracia, para subalternizar o trabalho e os direitos dos trabalhadores.»

Sabemos que capitalismo não é verde, mas também sabemos que não cairá sem que o empurrem. O que exige também luta por objectivos imediatos. Por uma política ambiental que assegure a preservação do equilíbrio da natureza e dos sistemas ecológicos, que respeite o “princípio da precaução” face a novas ameaças e problemas, que contribua para prevenir e mitigar os efeitos das alterações climáticas e que garanta a democratização do acesso e usufruto da Natureza, combatendo a mercantilização do ambiente e a sua instrumentalização ideológica e política pelo grande capital.

Historicamente, os hoje chamados países desenvolvidos são responsáveis por quase 80% das emissões de carbono cumulativas globais de 1850 a 2011. No entanto, têm sido evidentes os esforços dos países capitalistas mais desenvolvidos no sentido de nivelar responsabilidades entre países, condicionar o desenvolvimento de outros países, fugir à aplicação do princípio de “responsabilidade comum mas diferenciada” e impor mecanismos de acumulação de capital e apropriação de recursos. A limitação da produção de gases que contribuem para o efeito de estufa tem de ter em conta uma justa distribuição dos esforços por sectores e países, e deve ser feita através de normativo específico, sem a atribuição de licenças transacionáveis.


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Estão em curso em todo o País diversos projectos de energias renováveis. Considerando o PCP que o País deve ter como objectivo a aposta nas energias renováveis, o aumento da eficiência energética e a redução do défice energético, considera também que isso se deve fazer de forma racional, favorecendo interesses colectivos e não os interesses do negócio das energéticas. O PCP tem denunciado a forma com que os governos têm favorecido os promotores dos projectos, seja através da promoção de leilões, atribuindo uma capacidade de ligação à rede a título perpétuo (o que é altamente lesivo dos interesses do País) colocando nas mãos de privados instrumentos que deveriam estar ao serviço do País, aumentando a pressão sobre solos em áreas ambientalmente sensíveis ou com aptidão agrícola e criando condições para elevadas rentabilidades e pretexto para avultados negócios, sem qualquer benefício para os consumidores.

A tecnologia tem um papel importante, mas a natureza de quem a explora determina muito do resultado final. A aposta na Utilização Racional da Energia e o aumento de eficiência energética, dependem da promoção de alternativas energéticas de domínio público. Assistimos ao encerramento da refinaria da GALP em Leça da Palmeira, sob o pretexto de preocupações ambientais, mas de facto como estratégia de concentração da capacidade produtiva da UE para manter taxas de lucro e favorecer estratégias monopolistas. Falsas preocupações ambientais servem para garantir que operações de gestão das grandes empresas sejam financiadas com fundos públicos, com o Estado a assumir os custos, nomeadamente das indemnizações aos trabalhadores e da recuperação ambiental, sem que a medida tivesse qualquer impacto na necessária diminuição da dependência de combustíveis fósseis. Precisamos de uma política que aposte no controlo público dos sectores estratégicos, como garantia de que os processos de transição energética e tecnológica são desamarrados dos interesses do grande capital.

A fragilização das estruturas do Estado na área ambiental abre portas para a utilização dos recursos naturais ao sabor dos interesses dos grupos económicos. Em matéria de recursos minerais, a sua exploração ao sabor dos interesses privados não garante a salvaguarda dos interesses do País em termos económicos, sociais e ambientais, num quadro em que as estruturas do Estado nesta área foram desmanteladas e desarticuladas, para facilitar uma exploração destes recursos numa lógica neocolonial contrária aos interesses do País.

 

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Também na área da Conservação da Natureza se coloca a necessidade do reforço dos meios e estruturas do Estado, como o ICNF e a APA, para desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio e da regeneração da Natureza. A parcela dedicada à conservação da natureza e a biodiversidade não chega a 1% o orçamento que tutela o ambiente e não ultrapassa os 3% do fundo ambiental. A gestão das áreas protegidas foi sujeita a um processo de concentração que a afastou do território, faltam meios humanos e materiais, mas também faltam acções de gestão activa do território, com planos de recuperação ou manutenção de habitats e espécies. O que torna necessária uma gestão democrática das Áreas Protegidas orientada para a valorização do património genético paisagístico e das actividades tradicionais, dotada de meios humanos e técnicos.

A mercantilização da gestão de resíduos, centrada no lucro, conduziu ao aumento da importação de lixo, incluindo resíduos perigosos. Daí decorre que a luta pela gestão pública dos resíduos tem sido uma luta de defesa dos trabalhadores e das suas condições de trabalho, mas defendendo os trabalhadores está a criar condições para defender o equilíbrio ambiental. Pelo que a luta contra a liberalização do mercado dos resíduos é fundamental numa política de resíduos que privilegie a sua redução e promova a reciclagem e reutilização, combata o desperdício e a obsolescência programada, adoptando soluções públicas, racionais e integradas de tratamento dos resíduos, com base nos interesses das populações e na avaliação dos impactos ambientais.

As notícias vão dando nota de milhões de euros disponibilizados para aquisição de veículos elétricos, em particular ligeiros de passageiros para pessoas singulares, quando o determinante seria a promoção de políticas de mobilidade sustentáveis, que atribuam centralidade ao transporte público. Tal como o PCP tem vindo a defender, o transporte público é o factor decisivo do ponto de vista ambiental, estratégico do ponto de vista da soberania e do desenvolvimento e elemento decisivo da vida das populações.

«A intensificação da concentração fundiária e do aumento da área média das explorações agrícolas, sobretudo associada às monoculturas intensivas e superintensivas, bem como a utilização crescente de mão-de-obra imigrante, muitas vezes em condições de quase escravatura têm condicionado o uso equilibrado dos recursos nomeadamente o da água e do solo», afastando o País da necessária valorização da produção e consumo locais e a implementação de medidas que encurtem e racionalizem as cadeias de produção e distribuição, reconhecendo a cada país e a cada povo o seu direito a produzir e à soberania em domínios essenciais, como o alimentar. Mas também afasta o País de uma política de recursos hídricos que garanta o acesso à sua utilização como direito inalienável das populações, preserve e aprofunde a sua gestão pública e impeça a sua mercantilização.

 

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Num tempo de intensificação da ofensiva do imperialismo e do discurso belicista, de fomento do militarismo, com crescentes ameaças de um conflito mundial, que a não ser travado poderá assumir proporções catastróficas para a Humanidade e para a Natureza, precisamos de dar força à luta pela justiça nas relações entre os povos, contra as ingerências e agressões, pela paz e contra a guerra.

Os problemas ambientais sublinham os limites históricos do capitalismo, assim como a necessidade da sua superação revolucionária pelo socialismo. Toda a actividade humana terá impacto na Natureza, o que reforça a necessidade de um sistema que tenha ferramentas para garantir que a utilização dos recursos naturais se faça com preocupações ambientais e de justiça social.

 

Este texto é publicado no âmbito do contributo para o debate do documento «Teses – Projecto de Resolução Política», aprovado pelo Comité Central para discussão preparatória do XXII Congresso em todo o Partido