Novo aeroporto e velhas privatizações

Manuel Gouveia

Com a ANA pública, cerca de 40% do Volume de Negócios era dirigido ao investimento. Com a privatização, esse número caiu para uma média de 10%


Quem pagou a ampliação e modernização do Aeroporto do Porto, que custou, há cerca de 20 anos, quase 500 milhões de euros? A ANA.

Quem pagou as duas fases da ampliação do Aeroporto da Madeira, que custaram, há cerca de 30 e 40 anos, conjuntamente, mais de 500 milhões de euros? A ANA.

Quem pagou a modernização e ampliação do Aeroporto de Faro? E todas as obras de ampliação da Portela realizadas até 2012? A ANA.

Quem tinha de pagar a construção do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), de acordo com a Lei em vigor no momento em que o Governo PSD/CDS lançou a privatização da ANA? A ANA.

Com a ANA pública, cerca de 40% do Volume de Negócios era dirigido ao investimento na modernização e ampliação dos aeroportos. Com a privatização, esse número caiu a pique, para uma média de 10% (8,3% em 2023).

Com a privatização, as receitas aeroportuárias foram transferidas para a posse do novo dono da ANA, ao mesmo tempo que o governo PSD/CDS da altura alterava a lei e o contrato de concessão, desobrigando a concessionária de construir o NAL.

Surge assim a discussão: quem vai pagar o novo aeroporto?

Que, repetimos, era uma discussão que não existia antes da privatização: o aeroporto iria ser pago pela ANA, naturalmente, que para se financiar recorreria ao BEI (Banco Europeu de Investimento) a taxas reduzidas. Como sempre acontecera até aí. A única discussão era sobre o custo dos acessos, das necessárias ligações ferroviárias e rodoviárias, nomeadamente da Terceira Travessia do Tejo, e se esta era uma despesa do aeroporto (como afirmavam os que queriam arranjar argumentos para atrasar o investimento) ou se era uma prioridade independentemente de haver ou não haver NAL (como o PCP sempre defendeu, pelo papel que a Terceira Travessia do Tejo desempenha na mobilidade na Área Metropolitana e na rede ferroviária nacional).

A ANA, agora colocada ao serviço da multinacional Vinci, tem como primeira prioridade manter a sua operação no Aeroporto da Portela, de preferência para sempre, e só admite a necessidade de um segundo aeroporto como complementar à Portela. E o Governo PSD/CDS está a fazer-lhe a vontade, mas muito entalado pelas conclusões da Comissão Técnica Independente (CTI) que apontam para o encerramento da Portela e a construção faseada do NAL nos terrenos públicos do Campo de Tiro de Alcochete (CTA).

A encenação pública que ambos estão a fazer passa por dois momentos: (1) O Governo integrou o Aeroporto Militar de Figo Maduro na Concessão à ANA1, e autorizou a expansão da Portela até os 45 milhões de passageiros, uma obra que a ANA está a financiar integralmente2; (2) Amplifica-se a discussão pública sobre o valor da obra, exagerando o seu valor (de dois mil milhões já se chegou aos 10 mil milhões) para permitir transferir ainda mais recursos públicos para a multinacional através de alguns mecanismos que começam a ser evidentes, nomeadamente:

• admitir a possibilidade de aumentar o número de anos da concessão, até os 75 anos que a lei permite. Ora se a concessão garante um lucro de 4003 milhões ao ano, aumentar 10 anos a concessão vale 4000 milhões de euros...

• admitir a possibilidade de renovar a concessão das travessias sobre o Tejo (que termina em 2030) à Lusoponte (49,5% da Vinci) por mais umas largas dezenas de anos (quase 100 milhões de receita por ano);

• limitar o investimento à primeira fase do NAL, reduzindo o custo da obra, deixando a segunda e a terceira fase do NAL (sem as quais não há encerramento da Portela) para as calendas francesas.

Ora, isto significaria fazer tudo o que a Vinci deseja, fingindo que se está a conseguir obrigar a Vinci a fazer o que o País necessita.

Porque o que o País necessita é de uma NAL com acessos ferroviários e rodoviários a todo o país, construido em 6 anos, com o encerramento da Portela em cerca de 10. Tudo pago pela ANA, que para isso tem a concessão dos aeroportos (e não apenas das receitas). Mas para que tal possa acontecer, vai ser preciso renacionalizar a ANA.

 

 

1O facto do Aeroporto de Figo Maduro ser integrado na concessão até ao final desta, quando em teoria só seria necessários nos próximos 6/10 anos quase que prova, por si só, que nem a ANA, nem a Vinci, nem o Governo estão a pensar no encerramento do Aeroporto da Portela.

2E alegremente.

3400,3 milhões em 2023

 



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