O SNS e a mortalidade materna e infantil
A mortalidade infantil em Portugal está bem abaixo da média da UE
A recente publicação, pela Direcção Geral de Saúde (DGS), de relatórios sobre mortalidade materna e mortalidade infantil no quinquénio 2017/2021, bem como o agravamento da situação no Serviço Nacional de Saúde (SNS), exigem grande atenção.
Com o SNS e outras conquistas da Revolução de Abril houve um progresso extraordinário destes indicadores. De 1974 até 2021 a mortalidade infantil diminuiu de 37,9 para 2,4 óbitos por 1000 nados-vivos. Em 1970 o rácio de mortalidade materna era de 73,1 óbitos por 100 mil nados-vivos e esse valor foi de 13,1 em 2022. Para isso contribuíram decisivamente a generalização da vigilância da gravidez, a garantia de acesso ao parto hospitalar, a generalização dos serviços de neonatologia no início dos anos 90 e a melhoria das condições de vida da população.
Em relação à mortalidade infantil, os valores apresentados pela DGS mantêm-se positivos e bem abaixo da média da UE (3,2/1000). Em relação à mortalidade materna, mantendo-se números relativamente baixos, parece verificar-se uma tendência negativa em relação ao período anterior, apesar da alteração nas regras de notificação em 2014.
É o resultado da política de direita de vários governos. A desvalorização dos cuidados de saúde primários, essenciais no acompanhamento das grávidas e da primeira infância, as dificuldades de acesso às consultas e exames indispensáveis à vigilância da gravidez, a carência de resposta hospitalar nas gravidezes de risco ou nos tratamentos de fertilidade, são evidentes factores negativos.
A idade da primeira gravidez tem vindo a aumentar, reflectindo, entre outras questões, a situação social das mulheres, seja laboral (precariedade, baixos salários, horários alargados, trabalho por turnos), seja no acesso à habitação ou a serviços públicos essenciais, como são as creches.
Se, em 2002, os nados-vivos de mulheres com 35 ou mais anos correspondiam a 14,4% do total, em 2021 eram já 38,3%. No período analisado pela DGS (2017/2021), metade das mortes maternas ocorreram em mulheres com 35 anos ou mais. No ano de 2021 foram já 71,4% do total. A mortalidade neonatal (até 28 dias) corresponde a 70% da mortalidade infantil. 80% destas mortes devem-se a complicações da gravidez e parto, sendo que mais de metade delas resultam de situações de imaturidade do feto.
Em 25% dos casos de morte materna, não há registo de vigilância da gravidez. Em quase 70% dos óbitos maternos existiam complicações de saúde prévias à gestação, sendo que mais de metade foram relativas a problemas cardiovasculares (com destaque para a hipertensão) e obesidade. A hipertensão e a obesidade da grávida, a par da diabetes gestacional, são também os factores mais determinantes na mortalidade fetal.
Estes elementos evidenciam a importância do trabalho de prevenção da doença nos cuidados primários de saúde, cujas fragilidades crescentes – com destaque para a região de Lisboa e Vale do Tejo, onde há mais de um milhão de utentes sem médico de família –, se reflectem nestes dados. No período analisado 50% das mortes em hospitais foram nesta região. Desde 2021 a situação ter-se-á certamente agravado.
Garantir a todas as mulheres a vigilância da gravidez e a realização atempada dos exames necessários, assegurar o correcto acompanhamento das gravidezes de risco, reforçar os cuidados de saúde primários e o acesso aos serviços de ginecologia/obstetrícia nos hospitais é indispensável para travar as tendências negativas. O reforço do SNS é o garante da manutenção e a melhoria da saúde materna e infantil e um forte incentivo ao aumento da natalidade.
Nota: na edição 2671, de 6 de Fevereiro, o título do artigo de Argumentos de Nuno Gomes dos Santos saiu errado: em vez de «Um (in)completo desconhecido» devia ler-se «Um (in)completo conhecido». Ao autor e aos leitores, as nossas desculpas.