No 24 de Março, lutar pela democracia e o ensino de Abril!

Vasco Emídio

Que de­mo­cracia é esta nas ins­ti­tui­ções de en­sino se­cun­dário e su­pe­rior?

Falar do 24 de Março, Dia Na­ci­onal do Es­tu­dante, é falar de de­mo­cracia – da­quela que, em 1962, os es­tu­dantes não ti­nham; da­quela que hoje con­ti­nuam a ver li­mi­tada.

Vale a pena re­cordar o que foi 1962 e a sua crise aca­dé­mica: neste ano, a 24 de Março, os es­tu­dantes uni­ver­si­tá­rios des­fi­laram em Lisboa, para co­me­morar o seu dia. Re­sul­tado: uma vi­o­lenta re­pressão pela po­lícia fas­cista. O que se se­guiu: meses de con­frontos, com pro­testos, ple­ná­rios e greves de fome de um lado, e bas­to­nadas e pri­sões do outro, no que deu origem (num quadro de «luto aca­dé­mico» pelos es­tu­dantes) ao fa­moso lema «Ofen­deram-te? En­luta-te!».

E se em 1962 lu­taram (e não sem uma forte in­ter­venção dos co­mu­nistas, diga-se), também assim foi ao longo dos anos 60, até aos dias de hoje, com ac­ções di­versas.

Assim será, este mês, com: a Ma­ni­fes­tação Na­ci­onal de Es­tu­dantes, do en­sino su­pe­rior, em Lisboa, no dia 24, con­vo­cada por vá­rias as­so­ci­a­ções de es­tu­dantes (AE); e com a Se­mana de Luta, no en­sino se­cun­dário, em todo o País, entre os dias 24 e 28, di­na­mi­zada pelo Mo­vi­mento Voz aos Es­tu­dantes.

De­mo­cracia, para que te quero?
Falar do 24 de Março é falar das bar­reiras no acesso ao en­sino su­pe­rior que as pro­pinas e exames na­ci­o­nais re­pre­sentam, de Bo­lonha, da falta de con­di­ções ma­te­riais, pro­fes­sores, fun­ci­o­ná­rios, alo­ja­mento, acção so­cial… Mas é também (tem de ser!) falar de de­mo­cracia.

Por isso se ques­tiona: que de­mo­cracia é esta nas ins­ti­tui­ções de en­sino se­cun­dário e su­pe­rior?

Co­me­cemos pe­las­pri­meiras.Aqui, onde a lei per­mite apenas um re­pre­sen­tante dos es­tu­dantes, e abre as portas a ca­deiras e ca­deiras de ser­ven­tuá­rios de in­te­resses eco­nó­micos (com o bo­nito nome de «re­pre­sen­tantes da co­mu­ni­dade local»).

Aqui, onde as di­rec­ções têm au­to­ri­dade (legal?, cer­ta­mente não...) para li­mitar a re­a­li­zação de RGA e im­pedir listas de con­correr a AE. (Aliás, en­gano-me ao dizer «di­rec­ções», quis dizer «di­rec­tores», que desde há uns anos se tru­cidou a co­le­gi­a­bi­li­dade da gestão es­colar…).

Por fim, aqui, onde os es­tu­dantes se vêem todos os dias su­jeitos a ar­bi­trá­rias li­mi­ta­ções de di­reitos pelo có­digo penal… perdão!… o «es­ta­tuto» do aluno.

Olhemos, agora, para o su­pe­rior, e ve­jamos como o caso não di­fere muito.

Também aqui os con­se­lhos ge­rais de uni­ver­si­dades têm meia dúzia de es­tu­dantes (por apli­cação da lei, em con­se­lhos de 35 ele­mentos, não podem ex­ceder os sete mem­bros), e, não sendo obri­gados a ter re­pre­sen­tantes dos fun­ci­o­ná­rios, ga­rantem quase um terço de ca­deiras a «per­so­na­li­dades ex­ternas», i.e. man­da­tá­rios de grupos eco­nó­micos.

Também aqui, con­cen­tram-se po­deres em ór­gãos uni­pes­soais, rom­pendo a tra­di­ci­onal co­le­gi­a­bi­li­dade, e se in­ventam cargos va­zios como os «pro­ve­dores do es­tu­dante».

Fi­nal­mente, o ac­tual re­gime ju­rí­dico das ins­ti­tui­ções de en­sino su­pe­rior (RJIES) per­mite que uni­ver­si­dades e po­li­téc­nicos (pú­blicos!) se trans­formem em fun­da­ções pú­blicas com re­gime de di­reito pri­vado (!) – algo que muitos já fi­zeram –, trans­fe­rindo im­por­tantes com­pe­tên­cias para os ditos «con­se­lhos de cu­ra­dores» (nome ade­quado para quem faz, na prá­tica, a cu­ra­doria dos in­te­resses pri­vados que re­pre­sentam).

Por Abril, en­lutem-se!
Re­to­memos o fio da his­tória. Nem sempre foi assim: desde o 25 de Abril, abriu-se es­paço à gestão de­mo­crá­tica no en­sino, as­sente em prin­cí­pios de re­pre­sen­ta­ti­vi­dade e co­le­gi­a­bi­li­dade, pre­vistos, até, em di­plomas mais tar­dios, como a lei de au­to­nomia das uni­ver­si­dades (1988) – com tudo a cair por terra com o RJIES (2007) e o re­gime de gestão es­colar (2008).

Foram estes os prin­cí­pios que, por di­versas vezes, o PCP tentou res­gatar, com ini­ci­a­tivas di­versas. Vejam-se as mais re­centes: em 2020, para a gestão de­mo­crá­tica nos es­ta­be­le­ci­mentos pré-es­co­lares e de en­sino bá­sico e se­cun­dário; e, em 2025, pela re­vo­gação do re­gime fun­da­ci­onal e a gestão de­mo­crá­tica no en­sino su­pe­rior. Ambas re­jei­tadas por PS, PSD, CDS, CH e IL, com a abs­tenção do PAN.

Mas a pro­cissão da luta pelo en­sino pú­blico, gra­tuito, de­mo­crá­tico e de qua­li­dade le­gado por Abril, cer­ta­mente, ainda mal saiu do adro. E se aos es­tu­dantes as ofensas são muitas e diá­rias, di­zemos: en­lutem-se!

 



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