Tarifas e o fervor de quem está a ganhar

António Santos

Num só dia, 5 biliões de dólares evaporaram-se dos superlativos caldeirões da bolsa americana, uma queda de 9,1 por cento – a maior desde a COVID. Seria bom que aqueles que agora, escondendo o pavor da reacção dos mercados, troçam da iliteracia económica de Trump e nos garantem que «ficaremos todos a perder» puxassem até ao fim do novelo o fio da própria lógica: a irracionalidade das tarifas de Trump são o capitalismo como ele nunca deixou de ser.

A globalização neoliberal dos últimos trinta anos não alargou a «livre concorrência» nem o «livre mercado»: alargou o imperialismo, que se sentiu em posição de impor as suas condições a praticamente todo o planeta. Os EUA, de forma tão unilateral como as tarifas do «Dia da Libertação» de Trump, disseram ao resto do mundo o que devia produzir e a que preço devia vender.

As taxas alfandegárias de Trump são a admissão de que os EUA já não conseguem jogar o seu próprio jogo segundo as regras que inventaram. Essas regras serviram para um tempo histórico em que a força económica, política e financeira dos EUA dominava o mundo. Hoje, é um império endividado, improdutivo, preguiçoso e impotente. Segundo o vice-presidente dos EUA, JD Vance, a globalização «não funcionou» porque «era suposto os países ricos continuarem a subir na cadeira de valor enquanto os países pobres produziam as coisas mais simples». A China recusou a menoridade histórica e derrotou os EUA no jogo do «livre mercado».

As tarifas de Trump vêm assim preparar politicamente os EUA e a Europa para a inevitável grande crise do capitalismo, permitindo culpar o estrangeiro pela necessária destruição da economia e, a pretexto da protecção da economia nacional, transferir para os bolsos do grande capital o dinheiro da classe trabalhadora, que será mais uma vez chamada a pagar a crise dos capitalistas. Os Estados de todo o mundo que se habituaram a viver da subserviência aos EUA acham-se agora mortalmente dependentes da vontade de Trump e fazem fila para o beija-mão negocial que na verdade não é mais do que uma chantagem: ou os países se dobram perante os caprichos económicos dos EUA ou a guerra económica trata de substituir os actuais governos por outros suficientemente dóceis.

Nada disto é novo. Em 1888, Engels em Sobre a Questão do Livre Comércio escrevia que «é para evitar este destino iminente de declínio que a protecção, mal disfarçada sob o véu do “comércio justo” e das tarifas retaliatórias, é agora invocada com tal fervor pelos filhos dos mesmos homens que, há quarenta anos, não viam salvação senão no livre comércio». Trump é o filho dos mesmos homens que, há 40 anos, invocavam o livre comércio com o fervor de quem está a ganhar.

 



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