No 155.º aniversário de Lénine

Rui Mota

A re­vo­lução não é um salto no es­curo: é o des­fecho pos­sível de uma aná­lise ri­go­rosa e de uma prá­tica con­se­quente

Ce­le­bramos nesta se­mana mais um ani­ver­sário de Lé­nine. Nas­cido a 22 de Abril de 1870 (há 155 anos, por­tanto), a imen­sidão da sua obra não ca­berá neste ar­tigo. Re­vo­lu­ci­o­nário, fun­dador do pri­meiro Es­tado so­ci­a­lista da His­tória, di­ri­gente e grande im­pul­si­o­nador do par­tido pro­le­tário de novo tipo, con­ti­nu­ador do pen­sa­mento de Marx e En­gels e do so­ci­a­lismo ci­en­tí­fico, no­me­a­da­mente na com­pre­ensão do de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e po­lí­tico do ca­pi­ta­lismo na época do im­pe­ri­a­lismo, or­ga­ni­zador in­can­sável dos tra­ba­lha­dores e das massas, in­ter­na­ci­o­na­lista con­victo, Lé­nine foi tudo isso e muito mais.

Hoje, nestes tempos em que se torna cada vez mais claro que o ca­pi­ta­lismo está his­to­ri­ca­mente con­de­nado, razão pela qual os sec­tores mais re­ac­ci­o­ná­rios e agres­sivos da classe do­mi­nante vêem no fas­cismo e na guerra a «saída» para a crise do sis­tema, voltar a Lé­nine e aos seus textos é en­con­trar os ca­mi­nhos reais para a cons­trução da rup­tura e da al­ter­na­tiva ne­ces­sá­rias.

Não é in­vulgar usarmos, nas mais di­versas si­tu­a­ções da luta e da vida par­ti­dária, frases de Lé­nine, mesmo sem se saber exac­ta­mente de onde são. Mas quando di­zemos «Sem te­oria re­vo­lu­ci­o­nária não pode haver também mo­vi­mento re­vo­lu­ci­o­nário» (Que Fazer?) ou «a aná­lise con­creta da si­tu­ação con­creta» (ideia que atra­vessa inú­meras obras para re­fe­ren­ciar apenas uma) não es­tamos apenas a apro­veitar boas má­ximas como se es­ti­vessem assim já prontas a aplicar; o que elas de­mons­tram, acima de tudo, é a im­por­tância de co­nhecer, es­tudar, com­pre­ender e con­se­quen­te­mente en­con­trar as pos­si­bi­li­dades reais de trans­for­mação da vida. A re­vo­lução, assim, não é um salto no es­curo: é o des­fecho pos­sível de uma aná­lise ri­go­rosa e de uma prá­tica con­se­quente.

O ano de 1917, e em par­ti­cular os meses que se­param a Re­vo­lução de Fe­ve­reiro da Re­vo­lução de Ou­tubro, são nesse as­pecto uma riquís­sima fonte de en­si­na­mentos. Re­jei­tando tanto o es­pon­ta­neísmo como o fa­ta­lismo, va­lo­ri­zando a su­prema im­por­tância de uma or­ga­ni­zação capaz de unir a cons­ci­ência po­lí­tica e a luta quo­ti­diana, si­mul­ta­ne­a­mente acu­mular forças e pre­parar a ofen­siva. Or­ga­nizar a van­guarda, iden­ti­ficar na crise as fis­suras do poder da classe do­mi­nante e nelas abrir ca­minho para a re­vo­lução.

Foi isso que tornou pos­sível Ou­tubro. E, diga-se, foi isso que tornou pos­sível Abril. Basta ob­servar al­gumas das mais im­por­tantes ma­té­rias de um pro­cesso para en­con­trarmos as se­me­lhanças com o outro: o Es­tado como a questão cen­tral da re­vo­lução, o papel de van­guarda do Par­tido, no­me­a­da­mente a sua li­gação às massas, a im­por­tância da luta de massas e em par­ti­cular o tra­balho do mo­vi­mento sin­dical e de ou­tras or­ga­ni­za­ções re­pre­sen­ta­tivas, a cor­re­lação entre a luta po­lí­tica e a luta eco­nó­mica, a questão da uni­dade so­cial e po­lí­tica, a questão agrária, o pro­blema da guerra e do co­lo­ni­a­lismo, o in­ter­na­ci­o­na­lismo.

É por isso que afir­mamos que o pen­sa­mento de Lé­nine, apli­cando-se à re­a­li­dade da Rússia das pri­meiras dé­cadas do sé­culo pas­sado, tem li­ções de valor uni­versal, que con­ti­nuam e devem con­ti­nuar a animar as massas para as lutas que tra­vamos hoje. E entre todas, a luta pela paz e pelo de­sar­ma­mento, pois a guerra é in­trín­seca ao sis­tema ca­pi­ta­lista. En­quanto a so­cial-de­mo­cracia eu­ro­peia ca­pi­tu­lava pe­rante o chau­vi­nismo, Lé­nine man­teve-se firme na de­fesa da paz e do in­ter­na­ci­o­na­lismo pro­le­tário, como con­sequência ló­gica da luta contra o sis­tema que gera a guerra.

Hoje, quando a crise do ca­pi­ta­lismo ali­menta a guerra, a des­truição de di­reitos po­lí­ticos, eco­nó­micos, so­ciais e cul­tu­rais, ace­lera os pro­blemas am­bi­en­tais que su­bli­nham os seus pró­prios li­mites his­tó­ricos, ler Lé­nine é ga­nhar a con­fi­ança de que é pos­sível não apenas con­ceber mas cons­truir outro mundo. Não com pa­la­vras de ordem va­zias ou es­pe­rança pas­siva, mas com es­tudo, or­ga­ni­zação e co­ra­ções ar­dentes.



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