Rita Andrade e a arte contra a globalização da indiferença

A Festa do Avante! acolhe este ano a24.ª Bi­enal de Artes Plás­ticas, cujo con­curso está aberto até final de Maio. Mas não é tudo em termos de artes vi­suais: es­tará também pa­tente uma ex­po­sição da jovem pin­tora Rita An­drade, que fomos co­nhecer me­lhor.

Rita An­drade já fez três ex­po­si­ções in­di­vi­duais ins­pi­radas na Pa­les­tina

Marie Ba­celar


Há momentos que mudam o rumo da vida de uma pessoa e Rita Andrade sabe perfeitamente qual foi o seu: o concerto de Roger Waters em Lisboa a 20 de Maio de 2018. Foi ali que, pela primeira vez, soube o que se passava na Palestina – a ocupação, os massacres, a resistência –, tema que não mais deixou de abordar na sua arte: «Nunca tinha ouvido falar disso e emocionou-me muito. Tinha 20 anos...». Essa não foi a primeira vez (nem a última, chegou a cruzar fronteiras para o fazer) que viu ao vivo o fundador dos Pink Floyd, mas em 2012 era ainda demasiado nova para compreender cabalmente a sua mensagem…

Mas aquele con­certo, que apa­nhou Rita em plena Li­cen­ci­a­tura de Pin­tura na Fa­cul­dade de Belas Artes de Lisboa, não a apre­sentou apenas à causa pa­les­ti­niana. Fê-la também ques­ti­onar o per­curso ar­tís­tico que am­bi­ci­o­nava per­correr ao des­co­brir o papel po­lí­tico que a arte pode ter:«e quem me fez ver isso foi o Roger Wa­ters.» Anos mais tarde, ru­maria à ca­pital in­glesa para fre­quentar o Mes­trado em Art and Po­li­tics, na Golds­miths: Uni­ver­sity of London, que, su­blinha, con­tri­buiu para apro­fundar«a minha forma de ex­pressar através da arte re­a­li­dades que con­si­dero in­justas».

Rita An­drade tinha já, nessa al­tura, re­a­li­zado a sua pri­meira ex­po­sição in­di­vi­dual sobre a Pa­les­tina, no Es­toril: I Can’t Bre­athe Since 1948 (Não con­sigo res­pirar desde 1948). Al­gumas das obras que então vendeu aju­daram-na a pagar o curso.

Dar voz à Pa­les­tina

A li­gação forte, emo­ci­onal, da ar­tista à Pa­les­tina deixou muito cedo de ser apenas in­di­recta. Em 2019, com a mãe e o irmão, foi co­nhecer Is­rael e a Pa­les­tina: «Fui sem ideias feitas, porque eu nunca tinha ou­vido falar da­quilo, só ouvi o lado do Roger Wa­ters... Então pensei: vou ver com os meus pró­prios olhos.» De au­to­móvel, foram so­zi­nhos a Belém, a Je­ricó, a Je­ru­salém, a Te­la­vive, a Na­zaré e a muitos ou­tros lo­cais. Atra­ves­saram check-points, co­nhe­ceram pes­soas, con­tac­taram com o apartheid, a se­gre­gação, as vi­o­la­ções quo­ti­di­anas de ele­men­tares di­reitos hu­manos.

Rita re­gressou di­fe­rente da Pa­les­tina: «voltei e per­cebi que o meu tipo de arte era in­ter­ven­tiva e que tinha de dar voz à Pa­les­tina. Vim de lá com muitos amigos, mas também muito cho­cada e ma­goada.» Veio, também, com uma ideia con­so­li­dada acerca da questão pa­les­ti­niana e da po­sição inequí­voca que pas­saria a as­sumir face a ela (para Rita An­drade, a Pa­les­tina é uma causa hu­mana, mais até do que po­lí­tica no sen­tido es­trito do termo). Em­pe­nhada em usar o seu ta­lento e sen­si­bi­li­dade para levar a mais­gente a de­núncia do so­fri­mento e a co­ragem do povo pa­les­ti­niano, pro­meteu a si pró­pria que não con­tri­buiria para aquilo que o Papa Fran­cisco, que ad­mira,de­no­mi­nava de «glo­ba­li­zação da in­di­fe­rença». Que tanto a in­co­moda nos dias que correm...

A sua pri­meira ex­po­sição re­flecte as im­pres­sões desta vi­agem: «os pri­meiros qua­dros que fiz sobre a Pa­les­tina têm a ver com a minha vi­agem. As fo­to­gra­fias que tirei, as me­mó­rias que fi­caram, a pes­quisa que fiz para a pre­parar.» As duas pos­te­ri­ores que de­dicou ao tema – em 2023, Iden­tity and Land (Iden­ti­dade e Terra); em 2024, Non­Vi­o­lent Re­sis­tance (Re­sis­tência Não Vi­o­lenta) –, tendo sempre a vi­agem e a sua ex­pe­ri­ência no ter­reno como base de ins­pi­ração, re­flectem já um olhar mais denso não só sobre a ocu­pação da Pa­les­tina, mas também sobre o mundo em que vi­vemos e a ar­ro­gância dos po­de­rosos.

An­siosa pela es­treia

Rita An­drade nunca foi à Festa do Avante! e não sabe bem o que es­perar. Já per­cebeu que se trata de uma grande ini­ci­a­tiva, com mi­lhares de vi­si­tantes e bons pro­gramas mu­si­cais. Mas o que mais a en­tu­si­asma, con­fessa, é a pos­si­bi­li­dade de mos­trar o seu tra­balho a um pú­blico tão vasto e co­nhe­cedor da questão pa­les­ti­niana. E, também, de poder con­tactar com al­guns dos ar­tistas par­ti­ci­pantes na Bi­enal, com quem par­ti­lhará o Es­paço das Artes.

À Festa do Avante!, Rita An­drade le­vará até 30 obras, al­gumas já vistas e ou­tras iné­ditas. Con­fessa que não está a fazer nada es­pe­ci­fi­ca­mente para essa ex­po­sição, que cha­mará de «A in­sus­ten­tável le­veza do poder», pois foi pre­ci­sa­mente o tra­balho que faz con­ti­nu­a­da­mente sobre a Pa­les­tina que levou a que fosse con­tac­tada pela Festa do Avante!. E, re­alça, mesmo que até lá ven­desse al­gumas das obras que pre­tende expor, não ha­veria pro­blema, «pois nor­mal­mente vendo a pes­soas de con­fi­ança, que me em­pres­ta­riam as obras para as ter na ex­po­sição». Os pri­meiros qua­dros da série que ali es­tará pa­ten­tesão da sua ex­po­sição de 2019, sobre a Pa­les­tina, e o mais re­cente tem poucas se­manas. «E já estou a fazer outro», re­velou.

Esta é, sem dú­vida, uma ex­po­sição que me­rece uma vi­sita atenta. De uma ar­tista cujo tra­balho vale a pena se­guir com atenção.

 

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