As primeiras eleições de Abril

José Augusto Esteves

A Constituição foi então o espelho da Revolução de Abril

Passam nesta sexta-feira, no mesmo dia que a Revolução de Abril comemora o seu 51.º aniversário, 50 anos das primeiras eleições realizadas no Portugal democrático. Um acontecimento histórico na vida política portuguesa, um novo passo na construção da democracia, como então o assinalou o Secretário-geral do PCP, apesar de, em numerosas regiões do País, não existirem condições para umas eleições verdadeiramente livres, onde o 25 de Abril ainda não tinha chegado e nelas dominavam forças comandadas por caciques locais que exerciam uma acção de intimidação e coação física e moral, amedrontando e manipulando as populações e o próprio processo eleitoral.

Foi nessa significativa data que os portugueses foram chamados a eleger os 250 deputados para a Assembleia Constituinte, concretizando um dos objectivos fundamentais inscritos no programa da Revolução Democrática e Nacional, apresentado pelo PCP ao povo português no seu VI Congresso, realizado em 1965.

Não foi fácil o caminho percorrido até à sua realização. Foi necessário ultrapassar inúmeros obstáculos e travar importantes batalhas políticas em sua defesa.

Na origem das dificuldade e resistência que a democracia nascente enfrentou está, desde logo, o papel e a actividade desempenhadas pelo general António de Spínola. Valendo-se dos poderes de Presidente da República designado, procura implementar um projecto de ditadura pessoal, envolvendo o primeiro-ministro do I Governo Provisório, Palma Carlos, e, com a cumplicidade do PPD (PSD), CDS e até do PS, que veio a culminar na derrota do denominado golpe Palma Carlos e a sua demissão em Julho de 1974.

Projecto que esteve sempre presente até quase ao inicio da campanha eleitoral das eleições para a Assembleia Constituinte. Foi necessário ultrapassar as inúmeras tentativas de protelamento das eleições, onde se inscrevem novos golpes contra-revolucionários, a 28 de Setembro de 1974 e 11 de Março de 1975, que transportavam nos seus objectivos o adiamento das eleições e uma solução referendária antidemocrática, elaborada a partir de cima e sem a participação dos eleitos pelo povo.

Uma perigosa situação que confrontou as forças defensoras do processo democrático e revolucionário de Abril, onde estava o PCP, com a árdua tarefa de fazer frente a tais projectos, defendendo firmemente a realização das eleições e criação de condições para que estas fossem verdadeiramente livres.

Uma situação à qual se havia de juntar, particularmente após o golpe do 28 de Setembro, uma desmedida campanha anticomunista de calúnias contra o PCP, acusado de se preparar para tomar o poder, contra o MFA e o Governo de Vasco Gonçalves, protagonizada por PS e PSD, formando uma “Santa Aliança” com as forças da reacção, tendo como objectivos: a travagem do processo revolucionário, a divisão e paralisação das forças democráticas mais consequentes e, ao mesmo tempo, acirrando o preconceito contra o PCP, afastá-lo do governo e impedir a sua afirmação eleitoral.

Da campanha à Constituição
É neste quadro que se realiza a campanha eleitoral das primeiras eleições. Uma campanha marcada em numerosas localidades, pela acção antidemocrática das forças reaccionárias, com boicotes a sessões de esclarecimento, agressões brutais a candidatos e participantes, as expedições punitivas a militantes e activista do PCP e outras forças de esquerda.

Uma campanha marcada igualmente pela demagogia eleitoralista da parte do PS e onde a palavra socialismo era evocada a cada momento, como o grande objectivo a concretizar. Aliás, o socialismo era – de modo oportunista – a grande divisa das restantes forças, que tinham como único objectivo enganar o povo.

As eleições realizam-se com uma grande afluência às urnas. O PS obtém 118 deputados, PPD 81 e o PCP 30, os restantes são distribuídos por vários partidos.

Os partidos que formavam o Governo Provisório (PS, PPD, PCP e MDP/CDE) e que haviam, antes das eleições, firmado o “Pacto dos Partidos com o MFA”, com o compromisso da defesa do processo revolucionário e das suas conquistas onde se incluíam as nacionalizações e a Reforma Agrária, alcançaram 233 lugares no total de 250 deputados da Assembleia Constituinte.

Eram resultados, como se afirmava na Nota da Comissão Política do PCP do dia seguinte às eleições, que mostravam que «o povo português se pronuncia pelo prosseguimento da política democrática e por uma perspectiva socialista de acordo com a recente plataforma assinada pelo MFA e os partidos políticos».

Não foi isso que aconteceu. O PS de Mário Soares, voltado que estava para um compromisso com as classe dominantes do passado – a grande burguesia monopolista – vai abrir as portas, com fortes apoios externos do imperialismo, ao desenvolvimento de uma crise político-militar.

Projectando e empolando a vitória eleitoral obtida e a sua natureza, transformando as eleições constituintes em legislativas, reivindicando a formação de um novo governo, sem os comunistas, como o tentou Mário Soares, o País vai assistir, falhada esta tentativa, ao lançamento por parte do PS e com o apoio de toda a reacção de uma nova e violenta acção de desestabilização geral e de guerrilha diária contra o Governo Provisório, o MFA, o movimento popular e, particularmente, contra o PCP.

É num ambiente de desestabilização contra-revolucionária, mas também de grande vigor e dinamismo do movimento operário e popular, o grande sustentáculo da defesa das conquistas de Abril, que prosseguem os trabalhos da elaboração da Constituição da República, mesmo após o golpe contra-revolucionário do 25 de Novembro.

A Constituição da República, apesar de todas as pressões para adiar a sua aprovação e as tentativas de última hora para a revisão do seu texto, será aprovada em 2 Abril com os votos favoráveis de todos os partidos, à excepção do CDS. Ela era, então, o espelho da Revolução. Nela ficam consagradas as suas grandes conquistas e um projecto de democracia política, económica, social e cultural, numa sociedade projectada rumo ao socialismo.

Razões para se assinalarem como um importante acontecimento nacional, as primeiras eleições no Portugal de Abril.

 



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