Apagões

Jorge Cadima

Os alvos de Is­rael são pro­po­si­tados

O apagão que afectou Por­tugal e Es­panha na se­gunda-feira, 28 de Abril, gerou so­bres­salto e per­tur­bação. Como é na­tural, os seus efeitos sobre a po­pu­lação do­mi­naram a co­mu­ni­cação so­cial. Mas o que se passou na Pe­nín­sula Ibé­rica na­quelas horas foi uma pe­quena gota de água quando com­pa­rado com o oceano de tra­gédia que, desde há muito, recai sobre a mar­ti­ri­zada po­pu­lação pa­les­ti­niana.

Apa­gões de muitas horas já eram a re­a­li­dade quo­ti­diana em Gaza muito antes do dia 7 de Ou­tubro de 2023, de­vido aos efeitos do im­pla­cável cerco e blo­queio que dura há quase 20 anos (por, convém re­cordar, Is­rael e os seus pa­tronos não acei­tarem os re­sul­tados das elei­ções pa­les­ti­ni­anas de 2006). Esses apa­gões eram já então acom­pa­nhados pela falta de bens e pela li­mi­tação de mo­vi­mentos duma po­pu­lação que só pode sair e en­trar na Faixa quando, e se, Is­rael quiser. Jus­ta­mente, Gaza foi ape­li­dada de maior prisão a céu aberto do pla­neta. De Ou­tubro de 2023 para cá, tornou-se no maior campo de ex­ter­mínio a céu aberto. Desde há mais de ano e meio que Gaza, e cada vez mais a Margem Oci­dental, vivem a re­a­li­dade diária de falta de luz, de água, de co­mida, de casas, de cui­dados mé­dicos, de es­colas, de trans­portes, de tra­balho. Hoje morre-se à fome. A vida diária passou a ser a per­ma­nente pro­cura do pró­ximo bo­cado de co­mida ou de água, que per­mita so­bre­viver mais um dia na­quele in­ferno. Tudo sob os in­ces­santes bom­bar­de­a­mentos e in­cur­sões ter­res­tres das forças mi­li­tares e co­lonos si­o­nistas, que não es­condem, antes as­sumem ufanos nas suas de­cla­ra­ções ofi­ciais e nos seus posts de redes so­ciais, os ob­jec­tivos ge­no­cidas de ex­ter­mínio dos ha­bi­tantes da­quela terra. As muitas de­zenas de mi­lhar de mortos e fe­ridos pa­les­ti­ni­anos não são ‘dano co­la­te­ral’, nem erro. Os alvos de Is­rael são pro­po­si­tados. In­cluem as cri­anças, os mé­dicos, os en­fer­meiros, o pes­soal das am­bu­lân­cias, os jor­na­listas os hos­pi­tais, as es­colas, os cen­tros de abrigo. É o apagão de qual­quer réstia de hu­ma­ni­dade. O si­o­nismo re­vela-se um san­gui­nário monstro apenas com­pa­rável ao nazi-fas­cismo.

Pe­rante a bar­bárie em curso há meses, outro apagão se ins­talou: o da co­mu­ni­cação so­cial que já “nor­ma­lizou” o ge­no­cídio, tra­tando-o como um facto se­cun­dário, apenas me­re­cedor de pe­quenas no­tí­cias quando o nú­mero de mortes diá­rias as­cende às cen­tenas. Um apagão que é de­cisão po­lí­tica dos amigos de Is­rael, in­cluindo na UE. Andam en­ver­go­nhados, mas não deixam de ser amigos. Pela ca­lada en­viam as armas usadas para ex­ter­minar os pa­les­ti­ni­anos (ou os ie­me­nitas, sí­rios e li­ba­neses). Não con­denam Is­rael, nem rompem o Acordo de As­so­ci­ação UE-Is­rael, mas per­se­guem com sanha a so­li­da­ri­e­dade com o povo da Pa­les­tina. Aco­lhem os di­ri­gentes si­o­nistas e con­ge­minam como tor­near os seus man­datos de cap­tura. A co­ra­josa Re­la­tora Es­pe­cial da ONU para os ter­ri­tó­rios pa­les­ti­ni­anos ocu­pados, Fran­cesca Al­ba­nese, apontou di­rec­ta­mente as res­pon­sa­bi­li­dades de Von der Leyen e Kaja Kallas, as duas mais altas res­pon­sá­veis pela po­lí­tica ex­terna da UE, nesta co­ni­vência (thein­ter­cept.com, 3.5.25).

Não con­tentes com o ex­ter­mínio si­o­nista, querem mais mi­li­ta­rismo. Não querem pôr fim às guerras, mas alastrá-las a todo o pla­neta. Nisto, EUA e UE estão unidos. A guerra, con­quista e ge­no­cídio não lhes são alheios. O seu pas­sado co­lo­ni­a­lista e im­pe­ri­a­lista não é apenas pas­sado. É pre­sente. Só não será fu­turo porque che­gará o dia em que os povos po­nham fim a este ca­pi­ta­lismo ge­no­cida. Aí está o apagão que in­te­ressa.

 



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