Vitória sobre o nazi-fascismo foi há 80 anos

Na unidade pela paz e a democracia está o caminho para novos avanços

Há 80 anos, a 9 de Maio de 1945, a Segunda Guerra Mundial terminava na Europa: o nazi-fascismo, expressão brutal do capitalismo, soçobrava perante o Exército Vermelho da União Soviética, as tropas das potências Aliadas e os movimentos de resistência popular. O papel destacado assumido na vitória pela União Soviética, pelos comunistas e por outros sectores patrióticos, progressistas e anti-imperialistas, moldou o cunho democrático do pós-guerra. O mundo nunca mais foi o mesmo.

O nazi-fascismo não é exterior ao sistema nem uma sua qualquer “anormalidade”, é o sistema no seu pior

Da resistência à vitória

A capitulação incondicional da Alemanha nazi, assinada em Berlim perante os comandos supremos do Exército Vermelho e do Corpo Expedicionário Aliado, consumou o que era já uma realidade: a derrota das forças nazi-fascistas às mãos do Exército Vermelho na decisiva e dura batalha pela capital do Reich, que custou aos soviéticos a vida de 300 mil soldados (muitos dos quais permanecem enterrados no Parque Treptower, na parte oriental da cidade). O tenebroso império dos mil anos terminava assim, pouco mais de uma década após ter sido anunciado. O custo, esse, foi elevado: mais de 50 milhões de mortos, incontáveis feridos, traumatizados e órfãos, cidades destruídas, património desaparecido.

O heróico contributo da União Soviética foi determinante para a vitória: o nazi-fascismo perdeu na Frente Leste 80% das suas tropas 75% da sua artilharia, aviação e tanques e viu serem derrotadas ou capturadas para cima de 600 divisões (mais do triplo do ocorrido nas frentes do Norte de África, Itália e Europa Ocidental, juntas); as forças nazi-fascistas depararam-se pela primeira vez com uma efectiva resistência e às portas de Moscovo, ainda em 1941, sofreram a sua primeira derrota, na qual ruiu também o mito da sua invencibilidade; ali foram também travadas as batalhas mais importantes da guerra, que lhe mudaram definitivamente o curso, como, entre outras, Stalinegrado (Agosto de 1942 a Fevereiro de 1943) Kursk (Fevereiro a Agosto de 1943), Leninegrado (Setembro de 1941 a Janeiro de 1944); a libertação de 113 milhões de pessoas nos países da Europa Oriental e Central e de vários campos de concentração e extermínio, como Auschwitz; a vitória final em Berlim. Por isto pagou o povo soviético (russos, ucranianos, bielorrussos, moldavos, cazaques…) o mais elevado preço: mais de 20 milhões de mortos, numa impressionante média de 14 mil a cada dia, na sua maioria população chacinada pelas tropas nazis e seus colaboradores (i).

A resistência do Exército Vermelho, do povo soviético e do seu Partido Comunista, e as vitórias impostas aos invasores nazi-fascistas, possibilitaram a abertura da segunda frente (com o desembarque anglo-americano na Normandia, em Junho de 1944(ii)) e animaram a resistência popular nos países ocupados: da Jugoslávia à Itália e à China, de França à Indochina, a luta patriótica e antifascista mobilizava amplos sectores. Os comunistas estiveram à frente dessa luta.

 

Esperanças e sombras

Na Segunda Guerra Mundial esteve presente não só um confronto de carácter inter-imperialista, como também a agressão conjugada (da Alemanha nazi, dos seus aliados e com outras conivências) contra o primeiro Estado socialista do mundo. O contributo decisivo da União Soviética, a opção de vários povos pela construção de democracias populares orientadas para o socialismo e o papel desempenhado pelos movimentos comunista, operário e de libertação nacional na derrota do nazi-fascismo levaram a que também a paz alcançada fosse de natureza diferente.

Se em 1918 e nos anos seguintes, após a Primeira Guerra Mundial, ocorreu o que Lénine chamou de paz «ditada por bandidos», com a repartição pelas potências vencedoras de territórios e possessões coloniais dos países derrotados e no tratamento brutal imposto à Alemanha, em 1945 construiu-se uma paz antifascista e democrática, cujos princípios ficaram consagrados na Carta das Nações Unidas: entre eles contam-se o reconhecimento de direitos económicos e sociais, o direito à autodeterminação dos povos, a salvaguarda da paz.

Mas para além da consagração destes importantes princípios e direitos dos povos nas relações internacionais, também a luta de libertação nacional (muitas vezes dialeticamente associada à de emancipação social) e a unidade das forças antifascistas, democráticas e patrióticas – em cada um dos países e à escala global – impuseram os extraordinários avanços que marcaram este período. A conquista de direitos laborais e sociais (saúde, educação, protecção social), para muitos inéditos; o reconhecimento da igualdade entre mulheres e homens; a construção de sociedades que apontavam à abolição da exploração; e a derrocada do sistema colonial, contam-se entre os mais notáveis.

Determinado em travar este impetuoso movimento libertador, o imperialismo norte-americano e os seus aliados (recorde-se que os EUA saíram da guerra como a maior potência económica e militar do planeta) impuseram a chamada Guerra Fria, que a pretexto da “ameaça comunista” deu cobertura à proliferação da presença militar norte-americana na Europa Ocidental, no Extremo Oriente e um pouco por todo o mundo(iii), ao apoio a ditaduras fascistas (a sustentação do fascismo em Portugal é paradigmático disto) e à agressão a povos que se batiam pela sua libertação.

A afirmação dos EUA como principal potência do campo imperialista teve na NATO um dos seus instrumentos principais, que serviu tanto para dominar “aliados” como para confrontar “adversários”. O outro foi a chantagem nuclear, particularmente intensa nos primeiros anos do pós-guerra, quando estavam vivos na memória os monstruosos crimes de Hiroxima e Nagasáqui e os EUA detinham ainda o monopólio desta arma, quebrado anos depois pela União Soviética(iv).

Inversamente ao que sucedeu após a Segunda Guerra Mundial, em que o prestígio da União Soviética e a força dos partidos comunistas animaram os extraordinários avanços alcançados, o desaparecimento do campo socialista europeu, à entrada da última década do século XX, deu renovado ânimo ao imperialismo, particularmente ao norte-americano, que se afirmou brutalmente como potência hegemónica, impondo o seu poder e ditando as suas “regras”. O prosseguimento, em novas condições, da resistência e da luta dos povos pela sua soberania e os seus direitos, o desenvolvimento e afirmação da República Popular da China e de outros países e as próprias contradições do capitalismo, põem hoje seriamente em causa essa hegemonia.

 

Contra o fascismo e a guerra, sempre!

As forças revolucionárias, progressistas e anti-imperialistas têm muitas lições a retirar deste exaltante período da história. Não para que repliquem automaticamente respostas a questões que se expressam de forma necessariamente diferente, mas para que apreendam o que é constante e encontrem as soluções que melhor se adaptem à realidade concreta de cada tempo e lugar.

Uma das lições prende-se com a natureza do nazi-fascismo, que não é um fenómeno exterior ao capitalismo, nem tão-pouco uma “anormalidade” do sistema: pelo contrário, é a expressão terrorista do poder dos monopólios, a que estes lançam mão sempre que precisam (e conseguem) para aumentar a exploração, centralizar e concentrar a riqueza, impor o seu domínio, controlar fontes de energia, matérias-primas, rotas comerciais, mercados, zonas de importância geo-estratégica – procurando, pela força, aniquilar direitos e esmagar quem constitua um obstáculo aos seus objectivos.

Do mesmo modo que a ascensão do partido nazi ao poder se fez com financiamento de grandes potentados financeiros e industriais (os mesmos que beneficiaram da guerra, do trabalho escravo e dos recursos saqueados aos países conquistados), também hoje as forças de extrema-direita surgem do coração do “sistema” que dizem combater, quando na realidade representam o pior que o sistema tem: a exploração, a repressão, as injustiças e desigualdades, a limitação de direitos e liberdades, o ataque à soberania dos povos e à paz.

Outra conclusão prende-se com a natureza agressiva do imperialismo, qualquer que seja a expressão que assuma. Se acerca do nazi-fascismo pouco haverá ainda por dizer, a agressividade dos EUA e das outras potências imperialistas, nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial e até à actualidade, foi também evidente. Provam-no, entre outros exemplos, os bombardeamentos nucleares de Hiroxima e Nagasáqui, guerras contra os povos da Coreia, do Vietname, do Laos e do Camboja (com recurso a bombardeamentos massivos, incêndios de aldeias e utilização de armas químicas e biológicas) e as guerras coloniais, a permanente ingerência e as operações de desestabilização, os golpes de Estado, o bloqueio a Cuba e a outros países, o apoio à ocupação e genocídio israelitas na Palestina, as agressões à Jugoslávia, Iraque, Afeganistão ou Líbia, a ofensiva neoliberal e as relações económicas desiguais impostas a Estados por todo o mundo, perpetuando laços de dependência e subdesenvolvimento.

Num momento em que são múltiplas e graves as ameaças à democracia, aos direitos e à paz, em que o imperialismo promove o militarismo e a corrida aos armamentos e são massivamente difundidas concepções reaccionárias e fascizantes, importa ter presente o exemplo dos que, naqueles duros anos, foram capazes de resistir e de travar a luta contra o fascismo e a guerra, unindo diferentes personalidades, camadas e sectores democráticos e patrióticos em amplas frentes antifascistas e anti-imperialistas. Na base desta unidade, assente em objectivos concretos, foi possível travar retrocessos, vencer e abrir um luminoso período de conquistas e avanços históricos para toda a Humanidade.

Hoje, a recusa da guerra e do militarismo e a defesa da paz, da democracia e dos direitos económicos e sociais, abrem um amplo campo de acção unitária. Cabe mais uma vez aos comunistas e a outras forças revolucionárias e progressistas organizá-lo e dar-lhe sentido e direcção.

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(i) São vários os números apresentados sobre as vítimas mortais da Segunda Guerra Mundial. Mas todas apontam para terem sido os soviéticos, de muito longe, os mais massacrados: a seguir à URSS, com mais de 20 milhões de mortos, segue-se a China, com cerca de 10 milhões. A Alemanha terá perdido 7 milhões de pessoas e os EUA pouco mais de 400 mil.

(ii) Quando se dá o desembarque na Normandia, o célebre Dia D, já a União Soviética impusera as mais decisivas derrotas às forças nazi-fascistas, que se encontravam já em retirada. Até essa altura (Junho de 1944) o Exército Vermelho combatia 92% do total das forças nazi-fascistas.

(iii) Após 1945, os EUA passaram a ter uma forte presença militar um pouco por todo o mundo. Em 2021 possuíam cerca de 750 bases e ins­ta­la­ções mi­li­tares em dezenas de países. O Japão, a Alemanha e a Coreia do Sul concentram ainda hoje mais de 100 mil militares norte-americanos. A região da Ásia-Pacífico tem hoje uma forte concentração militar dos EUA.

(iv) As bombas atómicas lançadas pela aviação norte-americana sobre as cidades japonesas, a 6 e 9 de Agosto, foi, para muitos autores, mais o primeiro acto da chamada Guerra Fria do que o último da Segunda Guerra Mundial. Foi uma afirmação de poder, que custou a vida a centenas de milhares de pessoas e um sofrimento indescritível que permanece ainda hoje na elevada taxa de malformações e doenças oncológicas que ali persistem. Até ao início da década de 1950, os EUA ameaçaram a URSS, a China e a Coreia com bombas atómicas. A descoberta dessa tecnologia pela União Soviética obrigou-os a refrear os instintos mais agressivos.