Até quando a Nakba?

Jorge Cadima

Nakba, a Catástrofe, foi o nome com que ficou conhecida a brutal violência que acompanhou a criação do Estado de Israel em 1948. Numa operação propositada e planeada pelos dirigentes sionistas no seu Plano Dalet – como documentou o historiador israelita Ilan Pappe –, ao longo de poucos meses «mais de metade da população nativa da Palestina, cerca de 800 000 pessoas, foram expulsas das suas casas, 531 aldeias e 11 bairros urbanos foram esvaziados dos seus habitantes». Segundo Pappe, «as ordens dadas incluíam uma descrição pormenorizada dos métodos a serem empregues para expulsar as pessoas pela força: intimidação em larga escala; sitiar e bombardear aldeias e centros populacionais; atear fogo a casas, propriedades e bens; expulsões; demolições; e finalmente, colocar explosivos por entre os destroços para impedir o regresso dos habitantes».

Na concretização desse plano verificaram-se «dezenas de massacres», entre eles Deir Yassin, al-Dawayima e Tantura e até «o envenenamento das fontes de água de Acre com tifo». Israel nasceu da violência. E, passados 77 anos, afunda-se numa orgia de barbaridade que têm paralelo nos crimes do nazi-fascismo – o que é chocante tendo em conta que foram os crimes nazi-fascistas contra judeus que criaram as condições políticas para que em Novembro de 1947 a ONU aprovasse a criação dum Estado judaico em território histórico da Palestina.

O Dia da Nakba, 15 de Maio, assinala a Catástrofe do povo palestiniano em 1948. Uma catástrofe que nunca cessou, mas que hoje assume proporções intoleráveis, a que urge pôr imediato fim. O genocídio israelita dos últimos 20 meses abate-se sobre os mais de dois milhões de palestinianos da Faixa de Gaza, mas também os três milhões de habitantes da Margem Ocidental. Apenas é possível porque as potências imperialistas – sempre tão lestas a encher a boca de palavras como “humanitário”, “direitos humanos” e “democracia” quando se trata de tentar justificar as inúmeras guerras que desencadearam nestes últimos anos – são, não só cúmplices silenciosas, mas intervenientes activas. É o seu apoio militar, político, financeiro a Israel, mesmo que encapotado, que tem permitido o genocídio. E também a sua repressão contra a solidariedade com a Palestina, nos EUA e em países da UE.

A chacina em Gaza já ceifou a vida de cerca de 60 mil palestinianos (contando com o número de desaparecidos debaixo dos escombros), cerca de 3% da população. É como se em Portugal tivessem sido mortas 300 mil pessoas. Para não falar da destruição da maioria das casas e dos ataques deliberados a hospitais, pessoal sanitário, crianças e do uso da fome como arma de guerra.

A chacina em Gaza é intencional, tal como na Nakba de 1948. O objectivo é abertamente proclamado por numerosos dirigentes israelitas: completar a expulsão dos palestinianos da totalidade do seu país. E não tentem culpar a resistência palestiniana pelo massacre em curso. Não apenas pela desproporção evidente, mas sobretudo porque seria trocar a causa e o efeito. A resistência palestiniana é o inevitável resultado de muitas décadas de ocupação e crimes impunes de Israel. Crimes como as centenas que foram assassinados por franco-atiradores do exército israelita durante a pacífica Grande Marcha do Retorno em 2018-19.

A resistência é também o resultado de longas décadas de promessas traídas por parte da “comunidade internacional”, que em palavras e em muitas resoluções da ONU reconhece a legitimidade da causa palestiniana e promete a criação dum Estado Palestiniano, mas – graças ao bloqueio indefectível das grandes potências imperialistas – nunca o concretizou ao longo dos 77 anos desde a aprovação do Plano de Partilha da Palestina pela ONU.

A Nakba do povo da Palestina tem de acabar já. O cessar-fogo e a entrada da ajuda humanitária são os objectivos urgentes. Mas o povo da Palestina tem direito ao seu Estado. E tem direito a decidir, em plena soberania, o seu destino. A Palestina vencerá!