O tema das negociações de paz na Ucrânia exibe toda a perversidade da sua conversão num teatro político e mediático. O imperialismo investiu muito na guerra e durante muito tempo nem quis ouvir falar de paz e de uma solução negociada. Em desespero de causa, nas vésperas da eleição que ditou o regresso de Trump à Casa Branca, o acólito Zelensky chegou a apresentar um mirabolante plano para a vitória. Em que a troco de apoio militar oferecia aos seus patronos a exploração dos recursos críticos e potencial económico da Ucrânia (que acaba de ser reforçada com o acordo leonino dos minerais e outros recursos recentemente assinado com os EUA, já ratificado pelo parlamento ucraniano).
Agora, os países da NATO – em especial o Reino Unido e a França, Alemanha e Polónia – passaram a clamar por um cessar-fogo incondicional de 30 dias. Encheram o peito para apresentar um pífio ultimato à Rússia, ameaçando com mais e gravosas sanções para as quais pretendem arrastar os EUA. Invocam a paz enquanto prosseguem o envio massivo de armas a Kiev e investem muitos milhões em mega planos de militarização, a nível da UE e no plano nacional – veja-se a remilitarização em curso da Alemanha. Tiraram do baú de antiguidades o papão da “ameaça russa” para encobrir os seus propósitos belicistas. Um novo relatório de um think tank com sede em Londres afirma bombasticamente que «a Rússia pode estar em condições de atacar a NATO em dois anos»: a desinformação está ao rubro.
O perigoso frenesim de Starmer, Macron e Merz em torno do cessar-fogo – para mostrar “quem quer a paz” – não tem nada a ver com a urgência de calar as armas e de uma resolução pacífica das causas deste conflito. Atende a dois factores relevantes. Em primeiro lugar, o fracasso evidente, não obstante as perdas causadas, do objectivo de infligir uma derrota estratégica à Federação Russa, alimentando a guerra “até ao último ucraniano”. E, depois, o amolecimento do compromisso da actual administração dos EUA em prosseguir, como até aqui, o esforço militar que suporta a campanha anti-russa, a que não é alheio, entre outros elementos, o insucesso desta, ameaçando deixar pendurada “a velha Europa”. Os proponentes da “coligação de vontade” sabem bem que o apoio de Washington é decisivo para prolongar a guerra por procuração contra a Rússia.
As contradições e divórcio de prioridades no seio do eixo transatlântico reproduzem em parte a pugna intestina que atravessa a classe dirigente dos EUA, com os principais parceiros da NATO e da UE a mostrar uma sintonia fundamental com as posições dos chamados neocon, o “partido da guerra” da principal potência imperialista.
Trump tem pressa numa solução de congelamento da guerra sem se comprometer com um processo sério de paz, acenando a Moscovo com a melhoria das relações bilaterais e a retirada gradual das sanções… A prioridade dos EUA é a confrontação com a China, pressionando os aliados da NATO a incrementar os gastos militares e a carregar o fardo das hostilidades na Europa. A Casa Branca quer elevar o orçamento do Pentágono, mas não pode ignorar o quadro de sérios constrangimentos e dilemas da estagnação. Os juros da dívida do país ultrapassam já o nível colossal de despesas militares.
Uma coisa é certa: nas duas margens do Atlântico a renovada aposta no militarismo é uma arma de intensificação da exploração, contra os direitos dos trabalhadores e dos povos.