- Nº 2688 (2025/06/5)

“O Tapete de Arraiolos, a Arte e a Tradição de um Povo” em destaque na Festa do Avante!

Festa do Avante!

Prosseguindo a divulgação de relevantes expressões culturais do País, a Festa do Avante! terá este ano uma exposição sobre o Tapete de Arraiolos, as suas origens, tipologias e técnicas que o definem. A sua importância é tal que está a ser preparada uma candidatura a inscrição na Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da UNESCO, que deverá ser entregue em breve.

A exposição que estará patente no Espaço Central é organizada em colaboração com a Câmara Municipal de Arraiolos, através do Centro Interpretativo, que desde 2013 divulga e explica esta arte ornamental portuguesa. Haverá exemplares expostos, visitas guiadas com técnicos da autarquia e oficinas de demonstração da feitura destes tapetes, com bordadeiras no local.

Na obra “Origens e influências decorativas do Tapete de Arraiolos”, Rui Miguel Lobo considera os tapetes bordados característicos daquele município alentejano como «uma das mais valiosas expressões do génio artístico português, razão pela qual assumem um lugar de relevo entre as manifestações artísticas que compõem as artes ornamentais portuguesas». Refere ainda a «aura de mistério» que permanece sobre as suas origens, na medida em que não existe uma prova documental que «demonstre cabalmente quem fez os primeiros tapetes de Arraiolos e em que período da história».

Para além de escassearem as datações precisas dos exemplares existentes, o uso que era normalmente dado a esses tapetes – o de chão das casas – dificultou que muitos chegassem até nós em bom estado de conservação. Assim, existem apenas dois exemplares datados com precisão, pois a data encontra-se bordada nos próprios tapetes: 1752 e 1764. As suas origens, porém, são bem mais remotas: «é bem possível que sejam anteriores a 1598», garante o autor citado, responsável do Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos e um dos maiores especialistas na matéria.

Já quanto à autoria dos primeiros tapetes, há duas teorias mais divulgadas. Uma que defende que foram feitos em conventos alentejanos, já que grande parte dos tapetes mais antigos constavam de inventários conventuais; outra aponta para famílias mouras que, após o édito de 1496, que impunha a expulsão ou a conversão ao cristianismo de mouros e judeus, migraram para o sul de Portugal, «historicamente mais tolerante no plano religioso» e seguramente por ali existir já uma tinturaria de grandes dimensões, que fornecia lã tingida para Lisboa.

Seja como for, é certo que esta actividade assumia grande importância naquela localidade. Quanto ao contexto de produção, tudo indica que ela fosse desenvolvida por mulheres, em âmbito doméstico, complementando a actividade dos maridos, fossem eles artesãos, comerciantes ou pequenos proprietários agrícolas.

Técnicas e artes
Para caracterizar este género de arte ornamental portuguesa importa que nos concentremos nas suas características materiais, técnicas e decorativas. Nos séculos XVII, XVIII e XIX, eram bordados sobre uma tela feita num tecido forte, nomeadamente canhamaço ou linho.

Rui Miguel Lobo explica o processo: «a tela era bordada com fios de lã merina tingida de várias cores através do ponto cruzado oblíquo, de forma a que todos os pontos, de forma sequencial, pudessem cobrir toda a área da tela em preenchimento do desenho previamente concebido, sendo as diferentes cores utilizadas a delinear os motivos e ornamentos esquematizados.» O ponto cruzado oblíquo, também conhecido como o ponto de Arraiolos, é uma variante do ponto de cruz, existente na Península Ibérica pelo menos desde o século XII e anteriormente conhecido como ponto de trança eslava (a origem eslava, induzida pelo nome, não pôde até hoje ser confirmada).

O ponto de Arraiolos, sendo dominante, não é o único presente: em muitos tapetes do século XVII, os contornos e os motivos mais curvilíneos e minuciosos dos desenhos eram bordados num outro ponto, chamado ponto pé de flor, que levava a que o período de confecção dos tapetes fosse consideravelmente maior.

A lã utilizada nos tapetes passava por um longo processo de preparação, que ia da tosquia à lavagem, da extracção de impurezas à penteação, do tingimento à fiação. Particularmente interessante é o tingimento, que até meados do século XX (quando são introduzidos os corantes artificiais) era realizado por tintureiros, que utilizavam corantes e mordentes naturais, extraídos de plantas e outros produtos, como o pau-brasil. Uma publicação de 1906, relativa a um estudo de 1834, descreve as receitas utilizadas para obter as diferentes cores: azul, encarnado, cor-de-rosa, cor de carne, amarelo, amarelo torrado, verde, roxa, etc.

A química é fundamental para estudar o tingimento dos tapetes, dada a degradação da cor provocada pela passagem do tempo.

Influências
Os tapetes persas influenciavam em grande medida os desenhos dos tapetes de Arraiolos. No seu livro, Rui Miguel Lobo cita o pintor arraiolense Dordio Gomes que, em 1917, escreveu: «Tendo sido na sua primeira fase reproduções quase exactas dos padrões da tapeçaria persa, não tardou a irem pouco a pouco evolucionando para motivos de mera composição das próprias bordadoras.»

Os tapetes de Arraiolos mais antigos que conhecemos, datados do século XVII, tinham desenhos eruditos, «influenciados ou copiados de tapetes orientais», revelando que quem os produzia era evidentemente conhecedor desses tapetes asiáticos. Já os desenhos dos tapetes de finais do século XVIII e do século XIX surgiam da criatividade e imaginação de quem os concebia. Rui Miguel Lobo cita a classificação de José Pessanha, de 1906, que dividiu os tapetes de Arraiolos em “eruditos” e “populares”.

A exposição da Festa será uma oportunidade para conhecer melhor esta expressão artística em todas estas dimensões – e acrescentam à lista de preocupações do PCP na valorização desta arte e do trabalho das bordadeiras, que nas últimas décadas têm sido, na Assembleia da República e nos órgãos autárquicos, motivo de intervenção.

 

Defender, divulgar, promover e salvaguardar

Desde a Revolução de Abril que a Câmara Municipal de Arraiolos, gerida sempre pelos comunistas e seus aliados, desenvolve um intenso trabalho de defesa, divulgação, promoção e salvaguarda do tapete de Arraiolos.

Como sem trabalhadores não há trabalho e sem artistas não há arte, esta actividade de preservação passou pela valorização das condições de trabalho das bordadeiras: foram realizadas várias exposições sobre a temática na vila, noutros pontos do País e até no estrangeiro, em 2001 foi erguido o “Monumento à Tapeteira” e em 2003 iniciou-se o evento anual “O Tapete está na rua”.

A abertura, em 2013, do Centro Interpretativo do Tapete de Arraiolos acrescentou um projecto museológico a este esforço de valorização. Assente neste trabalho, a Câmara Municipal conseguiu em 2021 inscrever o Tapete de Arraiolos no inventário nacional de património cultural imaterial, o que – lê-se no livro – «abriu ainda as portas a um reconhecimento e salvaguarda internacional, pois é agora possível apresentar candidatura para uma classificação por parte da UNESCO como património imaterial da humanidade».

 

«A composição dos tapetes de Arraiolos é heterogénea, facto que se explica pelas muitas influências assimiladas e pelo seu verdadeiro carácter popular. Além das influências provindas de alguns países europeus e sobretudo do Oriente, os tapetes de Arraiolos receberam também influência dos vários períodos da história da arte portuguesa e da arte popular.»

(in Catálogo da exposição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1981, p. 15)