- Nº 2688 (2025/06/5)
DELIBERADAMENTE

Inspirações e sistemas

PCP

Assistimos na última semana ao anúncio formal de uma candidatura a Presidente da República, mais uma, entre avanços, recuos e outros tropeções. Um candidato que se apresentou ao estilo de outros homens providenciais, surgindo de fora do “sistema” sob o signo da regeneração, da moralização ou, conforme a nomenclatura contemporânea, pôr fim à bandalheira, acompanhada da crítica aos poderes instalados e às reacções “corporativas”.

A inspiração parece ser histórica, no conteúdo e na forma: agora é almirante, como noutros tempos e noutros espaços houve marechais, generais ou majores. A designação é uma das primeiras vitórias desta candidatura: “o Almirante” já o era ainda antes de ser candidato. Como Biden foi Joe, dando-lhe a aura de “average Joe” (a expressão norte-americana para o cidadão comum), como o professor Rebelo de Sousa foi transformado em Marcelo para simular uma popularidade (no sentido de pertença) de alguém que nasceu e fez toda a vida na elite, como se disse na última campanha eleitoral para que “deixem o Luís trabalhar”, “o Almirante” é uma marca eleitoral consentânea com a única linha política que se conhece desta candidatura até ao momento.

Mas ao contrário do “Luís”, não se trata de uma estratégia executada através de hinos de campanha ou cartazes eleitorais, foi uma designação criada e tornada obrigatória no espaço mediático ao longo dos últimos anos. Afinal, o homem que vem de fora do “sistema” para o curar dos seus males tem a sua própria identidade forjada num dos pilares do mesmo. A candidatura foi lançada agora, mas a campanha começou há muito.

Já no final de 2021, “o Almirante” era convidado de honra do aniversário do Diário de Notícias, sendo a sua intervenção apresentada como a de um futuro Presidente da República – num evento que juntava os principais dirigentes das confederações patronais, dos cinco maiores bancos nacionais, entre outras figuras de destaque no “sistema”. O título da peça no jornal sobre a iniciativa foi “Gouveia e Melo a Belém? ‘O futuro a Deus pertence’”. A resposta de “o Almirante” surgiu após a sua intervenção na sequência de um espaço para perguntas da assistência. O que do texto não se percebe é que a pergunta foi feita pela então directora do Diário de Notícias.

Agora, passados quase quatro anos, vemos o candidato surgir em duas aparições públicas numa semana, com 300 quilómetros de distância, em que uma figura se destaca na sombra: o empresário Mário Ferreira, dono de muita coisa, entre as quais a TVI/CNN Portugal. Curiosamente, foi a estas estações televisivas que ”o Almirante” decidiu dar a sua primeira entrevista na qualidade de candidato a Presidente da República. Até ao momento, temos um candidato presidencial cuja principal referência para o exercício no cargo é ter substituído o actual titular da função nas presenças televisivas dominicais – numa versão mais próxima de coscuvilheiro-mor do que de qualificado analista; agora junta-se-lhe um outro produto da mesma fábrica.

O que se desconhece é qual o compromisso de cada um com o papel a que se candidatam: cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.