Portugal tem de se colocar do lado certo da História
Milhares de pessoas manifestaram-se em Lisboa, no dia 17, pelo reconhecimento imediato do Estado da Palestina por parte de Portugal. A manifestação terminou junto à Assembleia da República, no momento em que se discutia o Programa do Governo, totalmente omisso quanto a esta questão.
Não há razão para que Portugal não reconheça de imediato o Estado da Palestina
O Estado da Palestina já é reconhecido por mais de 140 países e Portugal, como outros membros da NATO e da União Europeia (há algumas excepções), não é um deles. Esta posição, que o Governo PSD/CDS não pretende alterar – pelo menos não o inscreveu no seu Programa de Governo e as declarações que tem assumido acerca deste assunto não vão nesse sentido –, coloca o País no vergonhoso papel de cúmplice da ocupação, da segregação e do genocídio cometidos por Israel contra o povo palestiniano.
Durante a manifestação, iniciada no Largo Camões, esta foi mesmo a questão central: reconheça-se o Estado da Palestina já! De forma soberana, como a Constituição da República prevê, sem esperar por uma “posição conjunta” da União Europeia, que nunca virá – ou não fosse a UE, e as potências que a controlam, dos principais aliados e financiadores da política militarista de Israel. As declarações do chanceler alemão, Friedrich Merz, acerca dos ataques de Israel contra o Irão, são reveladoras: Israel, garante, está a fazer «o trabalho sujo por todos nós».
Durante o percurso, foram muitas as palavras de ordem entoadas ou inscritas em faixas e cartazes, alguns feitos a marcador sobre os restos de caixas de cartão: «se fossem os nossos filhos?», lia-se num deles, denunciando a chacina de milhares de crianças – sob os bombardeamentos ou à fome – com total impunidade. Nos últimos dias, aliás, vieram a público várias situações em que as forças israelitas assassinaram palestinianos quando estes procuravam alimentos. «O nome é genocídio e todos vemos», «Palestina vencerá!», «Israel é culpado por um povo massacrado», «em cada cidade, em cada esquina, somos todos Palestina», «Menos armas, mais futuro» e, claro «Fim ao genocídio», estiveram também em destaque.
De janelas e esplanadas muitos saudaram a manifestação e os seus objectivos.
Firmeza e persistência
A manifestação de dia 17 foi a enésima acção de protesto convocada por CPPC, CGTP-IN, MPPM e Projecto Ruído desde Outubro de 2023, quando Israel iniciou esta nova – e particularmente brutal – fase da sua guerra contra o povo palestiniano e o seu direito a existir e a viver na terra que sempre foi a sua. Por mais brutal que se revele o imperialismo e o sionismo, e a cada novo salto na ocupação e no genocídio, a solidariedade mantém-se firme.
Pelo palco passaram representantes das quatro organizações promotoras (Isabel Camarinha, pelo CPPC; Tiago Oliveira, pela CGTP-IN; Carlos Almeida, pelo MPPM; e Mariana Metelo, pelo Projecto Ruído) e ainda o actor André Levy, que leu a mensagem enviada por um resistente palestiniano, encarcerado nas prisões de Israel durante 27 anos. A condução esteve a cargo da actriz Isabel Medina.
Identificado com as razões da manifestação, o PCP marcou presença solidária junto ao Parlamento. Aos jornalistas, Paulo Raimundo reafirmou a urgência de Portugal reconhecer o Estado da Palestina, garantindo não haver qualquer razão válida para que isso não seja feito de imediato. Para o Secretário-Geral do PCP, esse reconhecimento por si só não resolveria o drama por que passa o povo palestiniano, mas constituiria uma forma adicional de pressão sobre Israel, os EUA e a UE. Paulo Raimundo informou que nesse mesmo dia, no debate parlamentar do Programa do Governo, questionou o primeiro-ministro acerca das razões pelas quais Portugal permanecia no cada vez mais estrito grupo de países que não reconhecem o Estado da Palestina.
Em Setúbal, realizou-se de manhã um acto público de solidariedade, que também constituiu uma forma de mobilizar para a manifestação: foram colocadas centenas de pequenas bandeiras num relvado na Avenida Luísa Todi. Na Ponte 25 de Abril soaram as buzinas e, num dos viadutos, uma faixa denunciava o genocídio e a urgência de lhe pôr fim. Para 1 de Julho, às 17h00, está marcado um cordão humano a partir do Largo da Portagem, em Coimbra; no dia 4, às 18h30, há uma iniciativa no relvado junto ao Fórum Algarve, em Faro; no dia 5, em Lisboa, há manifestação no Largo Camões às 16h00.
“Hoje, na Assembleia da República, está a ser discutido o programa do Governo e o que lá encontramos é, mais uma vez, a intenção de contribuir para o prolongamento e o agravamento dos conflitos, para o militarismo e a escalada armamentista, aumentando as verbas para a guerra, como os EUA, a NATO e a União Europeia mandam, e mantendo e agravando as injustiças e as desigualdades sociais. Um programa do Governo onde não encontramos uma palavra sobre o reconhecimento do Estado da Palestina.”
Isabel Camarinha, CPPC
“Querem impor a guerra e o militarismo como caminho e o recém-eleito Governo de PSD/CDS cumpre essa ordem. Ao invés de investir e de dar resposta aos problemas existentes nos serviços públicos, na saúde, na educação, na segurança social, encontra e investe milhões na corrida às armas e na promoção da guerra. Não aceitamos, não seremos carne para canhão, aqui nos impomos pela paz como verdadeiro caminho de progresso e justiça social.”
Tiago Oliveira, CGTP-IN
“Reconhecer o estado da Palestina tem de implicar o fim de toda a cooperação com o Estado de Israel e uma acção determinada no sentido da suspensão do acordo de associação com a União Europeia. Há dias, a imprensa tornou público o que há muito denunciamos: o uso de fundos da União Europeia para o financiamento das empresas, universidades, centros de investigação e serviços militares que compõem a máquina de guerra de Israel. É bom que nos recordemos disso quando nos falarem sobre a necessidade de gastar os nossos impostos na compra de mais armas.”
Carlos Almeida, MPPM
“Cá estamos, mais uma vez. E continuamos cá porque continuamos a ter razões para cá estar. E essas razões são as milhares de crianças – mais de 50 mil – assassinadas ou feridas às mãos de Israel. São os milhares de jovens que já morreram e outros tantos que ficaram sem casa, sem escola, sem terra, sem família. São os milhões hoje subnutridos e doentes, sem acesso a comida, água ou cuidados de saúde.”
Mariana Metelo, Projecto Ruído
“Apelo a todos os povos do mundo para que cumpram o seu dever de apoiar a causa palestina, como faz o povo português, porque na Palestina de hoje enfrentamos, através de Israel, todo o imperialismo mundial, que apoia Israel na sua guerra genocida na Faixa de Gaza. O que está a acontecer hoje em Gaza deve levar todos os povos livres do mundo a erguer-se, a apoiar a Palestina.”
Mahmoud Issa Abu Marcel, membro da FPLP, esteve 27 anos preso em Israel e actualmente está exilado (mensagem foi lida pelo actor André Levy)
Solidariedade combativa – e unânime
No final da manifestação, junto à Assembleia da República, a actriz Isabel Medina apresentou uma moção, que todos os participantes aprovaram erguendo um cartão com a bandeira da Palestina:
«No dia em que se debate o programa do Governo, denunciamos e condenamos o genocídio do povo palestiniano perpetrado por Israel, assim como as suas acções agressivas contra outros povos no Médio Oriente, reafirmamos a nossa solidariedade com o povo palestiniano e a sua justa causa nacional e exigimos que o governo português:
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condene e aja pelo fim dos massacres e do genocídio por parte de Israel contra o povo palestiniano;
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se empenhe na obtenção de um cessar-fogo real, imediato e permanente e na entrada sem restrições nem condicionamentos de toda a ajuda humanitária necessária à população palestiniana na Faixa de Gaza, sob a coordenação das Nações Unidas;
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reconheça imediatamente o Estado da Palestina, conforme o direito internacional, nomeadamente as inúmeras resoluções da ONU;
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aja com vista ao fim da ocupação dos territórios palestinianos ilegalmente ocupados por Israel, bem como ao fim da ilegal ocupação israelita de territórios do Líbano e da Síria;
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condene firmemente os ataques israelitas contra o Irão e a consequente escalada da guerra na região, e reclame o fim da agressão de Israel contra o Líbano e a Síria;
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suspenda toda a cooperação militar entre Portugal e Israel;
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empenhe esforços pela suspensão imediata do acordo de Associação UE / Israel.»