Lei da Nacionalidade e Lei dos Estrangeiros: Governo quer impor retrocessos

Após o primeiro conselho de ministros, centrado nas questões da imigração, o Governo apresentou projectos para alterar a Lei da Nacionalidade e a Lei de Estrangeiros, que fazem retroceder em anos a luta dos imigrantes pela melhoria dos seus direitos e integração em Portugal. Sob o pretexto de “imigração humanista e regulada”, esconde uma ofensiva reaccionária que ataca os direitos dos imigrantes e suas famílias e viola princípios constitucionais, acompanhando uma narrativa de culpabilização dos imigrantes pelos problemas do País.

O fim abrupto da “manifestação de interesse” adensou o conjunto de problemas, deixando muitos em situação de incerteza e, aí sim, de irregularidade. Por outro lado, assiste-se à continuada associação da imigração à criminalidade, com o disseminar de fake news – mais facilmente apreendidas do que os dados tornados da PJ e da PSP. Esta estigmatização tem contribuído para o alastramento da xenofobia e do racismo, criando divisões sociais.

Foi assim criado o caldo de cultura para este Governo implementar a sua agenda e proceder às alterações, que procuram legitimar essa narrativa e impor o retrocesso de direitos fundamentais: aprofundam uma lógica securitária, discriminatória e desumana que serve os interesses do grande capital e dos sectores mais reaccionários.

Alterações à Lei da Nacionalidade...

O Governo introduz novos requisitos para a aquisição de nacionalidade, como o conhecimento da língua (que já consta na lei) e da cultura portuguesas, dos direitos e deveres fundamentais associados à nacionalidade e da organização política da República. Exige-se ainda uma declaração pessoal e solene de adesão aos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (seja o que for que isso signifique…) e inviabiliza-se a naturalização daqueles que foram condenados a penas efectivas de prisão, independentemente do tempo, em vez dos três anos em vigor. Ou seja, qualquer acontecimento que figure no registo criminal inviabiliza a naturalização.

Para a atribuição da nacionalidade originária – atribuída desde o nascimento com base em critérios como ser filho de pai ou mãe português ou ter nascido em território português –, o Governo pretende passar para três anos de residência legal de um dos progenitores e caso declarem que querem ser portugueses (a actual lei prevê que tal possa ocorrer – desde que assim o desejem – ao fim de um ano de residência legal de um deles). Actualmente, o requisito é igual para todos os imigrantes, independentemente da nacionalidade: ter residência legal em Portugal há pelo menos cinco anos. A proposta do Governo faz a distinção entre os cidadãos da CPLP e de outros países, para sete e 10 anos, respectivamente. Uma proposta discriminatória que quebra princípios firmados no âmbito da CPLP.

Por outro lado, para a aquisição da nacionalidade por naturalização deixa de ser considerado o tempo de espera desde o pedido de autorização de residência até à sua atribuição. Essa foi uma introdução à lei em vigor proposta pelo PCP, que salvaguarda os imigrantes, tendo em conta que, com os atrasos que se verificam na AIMA, os tempos de espera podem ser superiores a dois anos.

Uma das propostas mais polémicas, e que vai contra o que está instituído na Constituição, é a perda de nacionalidade como pena acessória para cidadãos naturalizados que sejam condenados a pena de prisão efectiva igual ou superior a cinco anos, por factos praticados nos 10 anos posteriores à aquisição da nacionalidade. Para além de não haver qualquer evidência que demonstre que os portugueses naturalizados praticam mais crimes ou mais crimes violentos, viola os princípios da proporcionalidade e da necessidade.

e à Lei de Estrangeiros

Isto confirma a visão repressiva que o Governo tem da imigração: em vez de criar vias dignas para a regularização – como o reforço dos serviços públicos, nomeadamente na AIMA, para regularização dos processos pendentes – amplia os mecanismos de expulsão, detenção e criminalização e cria medidas que causam dificuldades à obtenção de autorizações de residência e ao reagrupamento familiar.

Assim, em relação aos mecanismos legais de entrada, o visto para procura de trabalho fica restrito apenas a trabalhadores altamente qualificados. Esta distinção cria categorias de imigrantes, excluindo uma faixa substancial dos que procuram trabalho em Portugal e garantem o funcionamento de muitos serviços e actividades – construção civil, restauração, agricultura, entre outras... Estes trabalhadores imigrantes só poderão entrar legalmente em Portugal através do recrutamento directo. Ficam sujeitos aos protocolos assinados com as grandes empresas e às necessidades do mercado.

Sobre este visto, o presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo, António Vitorino (que não foi ouvido pelo Governo), suscitou dúvidas nesta restrição. Segundo o próprio, o protocolo com as grandes empresas não abarca, por exemplo, as empresas de Serviço Social.

No Visto CPLP, com a lei actual, o cidadão abrangido pelo Acordo CPLP e que tenha um visto de curta duração ou uma entrada legal, pode solicitar uma autorização de residência temporária. A alteração passa a exigir que tenha um visto de residência antes de entrar em Portugal. Trata-se de uma alteração ao acordo celebrado com os PALOP e que poderá ter consequências. Como referiu o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, «os portugueses também emigram», alertando para a possível reciprocidade de medidas.

É preciso ter em conta o tempo de espera até à atribuição da residência. Em alguns casos, os imigrantes podem ter de esperar muito mais tempo do que o estabelecido, tempo esse em que têm de ficar separados das suas famílias. No entanto, os trabalhadores altamente qualificados e os Vistos Gold ficam excluídos desta medida, podendo trazer logo a sua família.

Enquanto uns imigrantes são tratados como uma ameaça, a outros o Governo facilita a entrada.

Na lei actual, todos os imigrantes, em igualdade de circunstâncias e a todo o tempo, têm a possibilidade de requerer o reagrupamento familiar. Contudo, é preciso lembrar que este direito, na prática, não está disponível permanentemente. Isto porque são abertos períodos para esse efeito em função da capacidade da AIMA. Com a aplicação destas medidas o Governo pretende legislar a incapacidade administrativa da AIMA, em vez de resolver a falta de meios. Assim, a AIMA fica legitimada a emitir avisos prévios delimitando os períodos, consoante a sua capacidade.

Sabemos que as capacidades do País não são ilimitadas, mas estas alterações são um retrocesso social e ético. Violam a Constituição e outros instrumentos legais a que Portugal está vinculado e não promovem a integração e a estabilidade.

Quem beneficia? Os mesmos de sempre... Os patrões que exploram mão-de-obra barata e sem direitos!

 



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