Vasco Granja – quadrinhos para o seu centenário
Membro do PCP e cineclubista, Vasco Granja foi duas vezes preso pela PIDE
Faria hoje cem anos uma das vozes mais sonantes do universo da banda desenhada e do cinema de animação em Portugal. Vasco Granja nasceu a 10 de Julho de 1925, em Lisboa, e teve uma vida dedicada à divulgação destas duas formas de expressão artística; vida essa que em tudo se entretece com a sua militância no Partido Comunista Português, iniciada nos anos 50.
Em muitas casas por este país fora, a sua presença foi frequente durante 16 anos, através de Cinema de Animação, transmitido na RTP a partir de 1974 que contou com mais de mil programas. Aí divulgou inúmeros filmes provenientes das mais variadas geografias, com particular destaque para os países do Leste da Europa e a mensagem de paz que considerava estar presente nessas cinematografias.
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- Mas como é que se define a si próprio? Um homem de cultura… um homem com uma grande curiosidade?
- Um autodidacta.
Vasco Granja completou a instrução primária na escola n.º 12 do Bairro Alto, tendo mais tarde frequentado a Escola Industrial Machado de Castro, que acabaria por abandonar. De entre vários trabalhos que foi tendo, passou 14 anos ao balcão da Tabacaria Travassos, no Rossio, e no início dos anos 60 começou a trabalhar na Bertrand, onde ficaria até à reforma.
Durante este percurso foi contactando, desde muito cedo, com o universo da literatura, do cinema de animação e da banda desenhada, frequentando os cinemas e as redacções (da qual destaca em diversas entrevistas a revista Mosquito) que proliferavam no centro da cidade. Pelo caminho contacta de perto com Fernando Namora, com quem acabaria por trabalhar na Editora Arcádia, Aquilino Ribeiro e Jaime Cortesão, tendo inclusive sido revisor de ambos na Bertrand.
Descobre o cinema de animação a partir dos filmes experimentais de Norman McLaren e em 1967, por ocasião do Festival de Annecy, e começa um longo e feliz percurso de divulgação de banda desenhada, tendo nesse contexto sido convidado para ser o correspondente em Portugal da prestigiada revista Phénix e, mais tarde, escrito e criado inúmeros artigos e revistas especializadas.
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Militante do Partido Comunista Português desde o início dos anos 1950, é também por essa altura que adere ao movimento cineclubista. É preso pela primeira vez em Novembro de 1954, pelo seu envolvimento na angariação de fundos para a resistência antifascista no seio dos cineclubes. Esteve seis meses no Aljube e em Caxias.
Voltaria a ser preso em 1963 por pertencer à célula comunista dos cineclubes. Condenado a 18 meses de pena e cinco anos de suspensão de direitos políticos, esteve em Caxias e foi transferido para Peniche a 13 de Abril de 1965, de onde seria libertado a 5 de Maio desse ano.
Além da sua actividade política e partidária profundamente ligada ao movimento cineclubista, daria um importante contributo com a propaganda política que reproduzia nos duplicadores na alfaiataria do seu pai e que conseguiu adquirir em virtude de ser o responsável pela impressão em duplicadores da Bertrand; mestria técnica que mais tarde também lhe serviu para lançar a fanzine Quadrinhos (cujo primeiro exemplar data de 1972).
Numa entrevista em 2003, quando perguntado se esteve ligado à política e a partidos políticos, responde: «Ao Partido Comunista. Foi sempre o meu e continua a ser.»
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Profundamente ligado às colectividades e aos cineclubes em Lisboa e na Amadora, Vasco Granja estabeleceria uma ponte particularmente relevante entre as dimensões nacional e internacional, tendo sido presença assídua – e mesmo júri – de inúmeros festivais e encontros de banda desenhada (como o festival de Lucca ou o Animafest de Zagreb), que depois fazia divulgar em Portugal. Levaria também muitos autores e divulgadores portugueses consigo aos festivais internacionais, além da própria produção realizada em Portugal, tendo mesmo proposto Rafael Bordalo Pinheiro como autor da primeira banda desenhada (a comunidade decidiu-se, então, por Yellow Kid de 1896).
Após a Revolução de Abril, entraria na televisão portuguesa com programas sobre cinema de animação na RTP1 e na RTP2. Foi responsável pela versão portuguesa da revista Tintin desde 1970 e director da revista Spirou desde 1979, e contribuiu para um número incontável de publicações periódicas e de programas televisivos e de cineclubes, como o Diário de Lisboa, O Benfica Ilustrado, ABC Cine Clube de Lisboa, Jornal do Fundão, A Capital, entre muitos outros em Portugal, Brasil e Argentina. Escreveu um único livro, em 1982, sobre Dziga Vertov.
O legado de Vasco Granja tem vindo a ser continuamente recuperado em diversos momentos, de que são exemplo as homenagens no Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora ou o Prémio Vasco Granja do MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa.
Em Setembro deste ano, o centenário de Vasco Granja será assinalado na Festa do Avante!, que celebrará o homem e o militante comunista, e a actualidade do seu legado na cultura em Portugal.