- Nº 2694 (2025/07/17)

Uma cidade de possibilidades em aberto

Argumentos

Um quarto de século passou desde a viragem do milénio. Coincidentemente, o governo da cidade de Lisboa esteve desde 2001 a cargo de PSD/CDS ou PS. E isso nota-se: temos hoje uma cidade mais desigual, onde os interesses de quem especula decidem muitas das opções tomadas pelos poderes municipais, mais injusta e menos participada.

Ora, a cidade não está condenada a prosseguir este rumo. De certa forma, o livro Lisboa, Horizontes de Transformação – Uma Cidade para Todos, organizado por João Ferreira e lançado na Feira do Livro de Lisboa, é uma demonstração de que há quem se atreva a pensar e a propor alternativas, quem denuncie os desenvolvimentos mais negativos da cidade de Lisboa e ao mesmo tempo procure abrir os caminhos para a poder transformar.

É um livro de corpo inteiro: os pés no chão, as mãos na massa e os olhos no futuro. E muitos corações que batem e cabeças que pensam, não em uníssono mas em harmonia, para tornar os dias de todos aqueles que em Lisboa vivem e trabalham plenamente seus.

São 50 textos, a que se juntam ilustrações e um ensaio fotográfico. Ao todo, 54 autores, de variados campos de actuação e do saber, de gerações diferentes, nascidos em Lisboa e outros que fizeram dela a cidade da sua vida, de opções políticas diversas mas que convergem na luta pelo direito à cidade.

A cidade como espaço de luta
A cidade é uma expressão concentrada de contradições e conflitos, sendo um espaço de disputa e transformação. Como tal, o livro aborda a necessidade de reverter a visão neoliberal que tem moldado Lisboa nos últimos 25 anos. Os temas abordados são variados e interligados: urbanismo e habitação, mobilidade e ambiente, a economia e o viver social, os serviços públicos e a cultura, a participação popular e o desporto.

Os desafios que estão colocados à cidade de Lisboa são, em muitos casos, únicos em Portugal (embora o próprio livro reconheça que muitos desses desafios só têm solução a uma escala mais alargada). A pressão da especulação imobiliária, as dificuldades no acesso à habitação, a necessidade de uma ampla e diversa rede viária e de transportes, os riscos ambientais pela intensa produção de resíduos ou por ter um aeroporto que cresce no seu interior, os dramas da pobreza e da toxicodependência – nenhum destes problemas se manifesta da mesma forma noutras partes do País. Contudo, a desigualdade que expulsa os habitantes do centro, um modelo económico que depende em grande medida do turismo, o recurso aos privados para prestar serviços que incumbem ao Estado, a limitação da participação popular e da vida democrática, um espaço público que desdenha de quem quer usufruí-lo, a qualidade ambiental que se degrada, a cultura que se confunde com entretenimento, são traços comuns da vida na cidade neoliberal.

O que se propõe, em todas estas áreas, é «uma cidade inclusiva e solidária, justa, democrática, progressista, ambientalmente sustentável». Em vez de uma cidade à caça de unicórnios, uma cidade que protege a vida e os direitos da população. Como nos adverte o preâmbulo, «não é um programa eleitoral, mas contém propostas». E por isso é particularmente útil para todos aqueles que, nas associações, nos sindicatos, nos mais diversos movimentos, na sua actividade profissional, académica, política, se empenham na construção da alternativa.

Uma arma para quem não desarma
São, como se disse acima, 54 autores, mas é justo destacar o trabalho de coordenação de João Ferreira. É que sendo um livro onde de facto participam autores com percursos muito distintos, convergem nele porque também reconhecem em quem o organiza (na pessoa e no colectivo que representa) a força que não aceita que Lisboa seja entregue à especulação.

«Lisboa é uma cidade de possibilidades em aberto. O desafio está lançado.» Ler este livro é armar-se de ideias e argumentos para a transformar. É um convite à participação, à mobilização e à luta. Porque a cidade não está feita. Está em disputa.

Rui Mota