Rogério Ribeiro, o pintor da pulsação da vida

Manuel Augusto Araújo

Exposição de mais de duzentas obras, muitas delas inéditas

«Se a arte está ligada à vida, se a vida é quando a gente diz natureza como diziam os antigos, então a minha inspiração é a natureza tal como tem sido para todos os pintores. Simplesmente a minha natureza é uma natureza que eu abro a porta e está na rua. Essa natureza tem uma força e tem uma vivência que é política necessariamente. (…) eu penso que todo o homem é, de facto, um homem político, e o pintor não escapa a essa situação.»*

Toda a vasta obra de Rogério Ribeiro, não só a das artes visuais, mas a sua participação central na reformulação do ensino das artes e design nas Belas-Artes, o seu trabalho pedagógico como professor, o seu trabalho na instalação e direcção da Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea, em Almada, na sequência de outras experiências similares, a sua militância política na MUD Juvenil que se continuou no PCP, e o muito que fica por referir de um currículo vasto e riquíssimo, evidenciam que na raiz da suas múltiplas actividades, do seu trabalho, é a vida, a pulsação da vida, em toda a sua complexidade e diversidade, que profundamente o inspiram, a vida a que está sempre a tirar a temperatura.

É sempre e desde sempre o homem político activo e empenhado que se multiplica nos mais diversos planos, que o colocam entre os grandes intelectuais portugueses do século XX, de que também é um dos seus artistas maiores.

Em Rogério Ribeiro poder-se-á privilegiar referir em primeiro lugar a pintura, por ser a sua actividade mais continuada no tempo, mas temos que perceber que para ele a arte não é só pintura, é também gravura, cerâmica, design, uma variedade de objectos de arte que saíram das galerias para as ruas, para os ambientes frequentados pelas pessoas no seu quotidiano.

A exposição que o Museu do NeoRealismo agora organizou reporta-se à pintura, gravura, desenho e cerâmica dos seus primeiros anos, do seu período neo-realista, de que foi um dos seus artistas mais destacados. Neo-realismo que sempre se manifestou nas suas obras posteriores, nos ambientes imaginários dos ateliers, nos interiores e quietudes das intimidades, mesmo nas abstracções e na vasta figuração dos anjos, dos ícaros em queda e mais evidentemente nas ilustrações de Até Amanhã, Camaradas, de Manuel Tiago (Álvaro Cunhal), que completam esta exposição de mais de duzentas obras, muitas delas inéditas, onde o traço vigoroso se afirma revelando que estamos desde a primeira obra perante um extraordinário pintor.

A exposição Fazer Crescer a Vida – Rogério Ribeiro e o Neo-Realismo, tem a curadoria de David Santos que assina um belíssimo texto no catálogo e na sua introdução que deve ser referido por de forma exemplar sintetizar a exposição e o artista que está no seu centro: «se a esperança no cumprimento da matriz política marxista parecia alimentar uma prática artística que, por essa razão, muitos correram a classificar de menor, o certo é que as manifestações de criatividade do nosso neorrealismo refletem um inequívoco valor poético, exigindo hoje uma reavaliação do seu estatuto. No campo das artes plásticas, Rogério Ribeiro foi um dos maiores protagonistas dessa experiência lírica identificada com o neorrealismo. Despertar os sentidos e a consciência profunda da condição humana constituiu o desígnio do seu trabalho artístico, com os olhos postos na força social e na poesia que o povo também pode significar. Muitos anos mais tarde, o artista recordará o neorrealismo como «um momento muito raro da nossa história contemporânea, momento onde uma invasão de esperança calou fundo nos homens, no coração dos homens».

Até 4 de Outubro uma exposição que não deve falhar nas vossas agendas.

* “Rogério Ribeiro – pintor da fraternidade” (entrevista por Hernâni Matos), Brados do Alentejo, Estremoz, 6 Nov. 1981

 



Mais artigos de: Argumentos

Violência doméstica: a urgência de soluções para lá dos aproveitamentos

Sair de uma situação de violência é, no actual paradigma, hercúleo. Situação que se agrava quando existem filhos em comum com um agressor. Trata-se de um crime que incide maioritariamente sobre mulheres1. É o crime mais denunciado no País nos anos de 2023 e 20242. Para o PCP, a realidade demonstra a urgência de intervir....