Mikis Theodorakis

Manuel Pires da Rocha

Mikis Theodorakis escreveu muito: para teatro, oratórios, sinfonias e música de Câmara, música para bailado, óperas, para cinema e muitas canções

Em Abril de 1974, nos dias da Revolução Portuguesa, a Grécia vivia ainda em fascismo. Por pouco tempo. O regime dos coronéis viria a sucumbir, em Julho daquele ano, num contexto histórico complexo em que a luta antifascista assumiu, tal como em Portugal, um lugar central. Também ali a resistência fez uso empenhado da melhor Arte, mobilizando as ferramentas da criatividade artística na batalha contra a repressão. Se em Portugal cantámos a Jornada, de José Gomes Ferreira e Lopes-Graça, na Grécia cantou-se, com o mesmo propósito e risco, Epitaphio, de Yiannis Ritsos e Mikis Theodorakis.

 

O músico

Mikis Theodorakis nasceu em 29 de Julho de 1925 na cidade de Chios, no nordeste do Mar Egeu. Durante a infância acompanhou a itinerância profissional dos pais, percebendo nos diversos lugares da Grécia a variedade dos discursos sonoros das músicas folclóricas, os timbres dos instrumentos, a herança musical bizantina que colheu em ambiente litúrgico. Iniciou-se muito jovem na aprendizagem do ofício de Compositor. Começou por escrever canções servindo-se dos versos de poetas gregos, recolhidos nos manuais escolares e num ou noutro livro de uma estante lá de casa. Ao mesmo tempo que se experimentava como compositor, juntava voz ao coro da igreja (Ortodoxa) da Trípoli, a cidade em que, com apenas 17 anos, se apresentou em público na condição de músico que nunca mais deixaria de ser.

 

O militante

Theodorakis juntou-se ao Partido Comunista da Grécia (PCG) em 1943, o ano da vitória de Estalinegrado, encorajadora, por toda a Europa, do envolvimento popular no combate ao nazi-fascismo. Foi preso e torturado pela primeira vez em Março de 1943, juntando-se ao Exército de Libertação do Povo Grego (ELAS), uma estrutura da resistência antifascista ligada ao PCG. Militou na Organização Unificada da Juventude Pan-Helénica (EPON) e participou, como combatente, na Batalha de Atenas (Dezembro de 1944).

A derrota do nazi-fascismo não significaria a derrota dos fascistas gregos, exigindo dos comunistas uma luta prolongada em condições de repressão extrema. A guerra civil grega (1946-49) e os acontecimentos que se lhe seguiram viriam a marcar profundamente a vida de Theodorakis. Foi guerrilheiro, militante clandestino, prisioneiro, deportado em 1948 para o campo de Makronissos e torturado até ficar paralisado.

 

Theodorakis, músico-militante

Em 1950, recuperado da paralisia, Theodorakis retomou os estudos musicais no Conservatório de Atenas, seguindo depois para Paris, onde estudou com Olivier Messiaene Eugène Bigot. Alargou, entretanto, obra e paleta sonora, ampliou a visibilidade no meio musical - a sua Suíte n.º 1 para piano e orquestra conquistou o prémio do Festival de Música de Moscovo (1957).

A Ditadura dos Coronéis faz regressar Theodorakis à clandestinidade. A prisão, em Agosto de 1967 daquele ano, viria a causar-lhe graves problemas de saúde, enquanto as suas canções, cantadas no exílio por artistas como Maria Farantouri, conheciam eco universal na denúncia do fascismo grego. A pressão internacional, congregando personalidades como Dmitri Chostakovitch, Arthur Miller, Laurence Olivier, entre muitos outros, levariam à libertação do Compositor e ao exílio.

Escreveu muito: música para teatro, para Drama, oratórios, sinfonias e música de Câmara, música para bailado, óperas, música para cinema (quem não recorda o Sirtaki dançado por Anthony Quinn em Zorba, o Grego?). E canções, muitas canções, como aquelas que Maria Farantouri levou ao palco da Festa do Avante! (Alto da Ajuda, 1980).

 

Passos nos cruzamentos da História

Por razões de leitura da realidade grega, Mikis Theodorakis divergiu, em numerosas ocasiões, do rumo que traçou, jovem ainda, para a sua luta. Mas viria a regressar às fileiras do canto que gerou, cumprindo a sua própria convicção, segundo a qual «o artista que vive e cria dentro da luta, assegura um lugar especial para a sua obra». A sua obra, a sua luta, viriam a merecer aplauso universal, de que se destaca o Prémio Lenin para a Paz (1983).



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