As propostas
do Livro Verde da Segurança Social (II)

Por Eugénio Rosa,
economista



No artigo anterior sobre o chamado Livro Verde da Comissão do Livro Branco da Segurança Social («Avante!» de 24.7.97), mostramos que as grandes questões cuja resolução garantiria, a nosso ver, a sustentabilidade financeira futura da Segurança Social, ou foram ignoradas ou não mereceram o tratamento que a sua importância exigia por parte daquela Comissão nomeada pelo governo.


Efectivamente, questões como a fuga e a evasão maciça ao pagamento de contribuições, que fazem perder à Segurança Social, todos os anos, mais de meio milhão de contos de receitas; o aumento contínuo das dívidas das empresas à Segurança Social, que já ronda os 500 milhões de contos a preços correntes, e que nos últimos anos tem crescido a uma média de 50 milhões de contos por ano; as dívidas do Estado à Segurança Social que, segundo o grupo da Comissão liderado pelo Dr. Correia Campos, atingem 1.200 contos a preços correntes, mas de acordo com o grupo do Prof. Boaventura Santos somam já 7.300 milhões de contos, a preços de 1996; o pagamento pelo Regime Geral de prestações não contributivas, como acontece com uma parcela significativa da pensão mínima deste regime, que contribui também para a sua contínua descapitalização (só em 1995, cerca de 259 milhões de contos); um sistema do cálculo das contribuições das empresas desactualizado, que gera desigualdades e perdas importantes de receitas; um chamado subregime dos independentes, composto por uma série de miniregimes, cujos custos não estão devidamente avaliados, onde a manipulação das contribuições, o pagamento de taxas inferiores às necessárias à cobertura financeira dos custos de cada miniregime, continuam a ser práticas correntes; etc.. Em resumo, questões fundamentais, cujo estudo aprofundado das "diversas alternativas e a apresentação de propostas de medidas" devia ter sido feito pela Comissão do Livro Branco da Segurança Social, como estabelecia a Resolução do Conselho de Ministros que a criou, mas que esta não realizou.

Enquanto a Comissão deu reduzida importância a estas questões fundamentais, a nosso ver, para garantir a sustentabilidade futura da Segurança Social, em relação ao plafonamento dos salários, uma questão de tão grande agrado das sociedades gestoras de fundos de pensões e das seguradoras, o grupo da Comissão liderado pelo seu presidente, o Dr. Correia Campos, prestou um cuidado muito especial, ocupando grande da sua atenção e tempo. E isto apesar da sua implementação, para além de violar o princípio da solidariedade em que assenta toda a Segurança Social, gerar, quanto muito, poupanças líquidas só daqui a 15 anos ( porque durante os primeiros 15 anos, de acordo com os seus próprios defensores, só determinará perdas de receitas), avaliadas em apenas 19 milhões de contos por ano, a preços actuais. Este valor que, face aos aumento de receitas que poderiam ser obtidos, como referimos, com medidas eficazes, é ridículo, levou um dos seus grandes defensores, o Dr. Bagão Felix, vice-presidente do grupo segurador do banqueiro Jardim Gonçalves, a confessar que a implementação do plafonamento dos salários visava, não a garantir a sustentabilidade da Segurança Social, mas sim "evitar, definitivamente, o culto da monodependência estatal" ( Diário Económico, 31.07.97); portanto, um objectivo estranho aos fixados pelo governo à Comissão do Livro Branco da Segurança Social.


Os cenários do grupo do presidente

Afastando sem justificação consistente o estudo aprofundado daquelas questões fundamentais, o grupo da Comissão liderado pelo seu presidente, Dr. Correia Campos, construiu quatro cenários alternativos, todos eles, como iremos ver, assentes em hipóteses arbitrárias de crescimento do emprego, da produtividade, do PIB, etc., para um período irrealista de 50 anos (como sabemos, nem o próprio governo consegue acertar nas suas previsões para cinco anos, que credibilidade podem merecer as previsões de uma Comissão que as faz para 50 anos, num mundo em profunda e vertiginosa mudança?).

E os cenários que construiu são quatro, a que chamou: - Cenário Base, Cenário V1, Cenário V2 e Cenário V3. Vejamos, embora sucintamente, cada um deles.

De acordo o Cenário Base, a ruptura do equilíbrio financeiro da Segurança Social teria lugar no ano 2.015. Segundo o Cenário V1, que assenta na redução progressiva da chamada taxa de substituição ( % que a 1ª pensão representa em relação ao último salário líquido recebido pelo trabalhador que se reforma ) de 80% para 70%, registar-se-ia um adiamento de ruptura em cerca de 5 anos, ou seja, a partir do ano 2.020. De acordo com o Cenário V2, que pressupõe o aumento do período de cálculo da pensão dos actuais 15 anos para 25 anos, verificar-se-ia um adiamento da ruptura do equilíbrio financeiro também de cinco anos, portanto um resultado idêntico ao da medida anterior. Finalmente, segundo o Cenário V3, que assenta no aumento da idade de reforma dos actuais 65 anos para 68 anos, observar-se-ia um adiamento da ruptura financeira idêntica à registada nos dois cenários anteriores, ou seja, também de cinco anos.

Em resumo, segundo o próprio grupo liderado pelo presidente da Comissão do Livro Branco, Dr. Correia Campos, a introdução simultânea das medidas anteriores - redução da taxa máxima de substituição de 80% para 70%; aumento do período de cálculo da pensão dos actuais 15 anos para 25 anos; aumento da idade de reforma de 65 anos para 68 anos - não resolveria a longo prazo o problema da sustentabilidade financeira da Segurança Social, apenas adiaria a ruptura do equilíbrio financeiro da Segurança Social em cerca de 15 anos; ou seja, no lugar de ela ter lugar no ano 2015 , dar-se-ia a partir do ano 2030. Em resumo, o problema apenas ficaria adiado por mais 15 anos, o que significa que este tipo de medidas são simples paliativos de acordo com as confissões dos seus próprios defensores.


Propostas que não garantem a sustentabilidade

Curiosamente, embora este grupo da Comissão apresente estes cenários de rupturas, com carácter de determinismo e inevitabilidade, o que só poderá ser determinado por uma autosuficiência e um pretensiosismo pseudo-científico (Quem é que num mundo em vertiginosa mudança, poderá ter a pretensão de fazer previsões a 50 anos?), no entanto nos capítulos finais titulados "Estratégia da Reforma" e "Conclusões" (págs 198 a 209 do Livro Verde), que contém as propostas por ele defendidas, várias das medidas em que assentaram a construção daqueles cenários de ruptura inevitável - redução geral da taxa de substituição, aumento da idade de reforma, etc., - são abandonadas, o que leva a pensar que nem os próprios autores dessas previsões acreditam verdadeiramente nelas, pois, caso contrário, por uma questão até de coerência, deveriam incluir todas as medidas referidas nas suas propostas finais.

Efectivamente, o que o grupo do presidente da Comissão vem a defender como "Estratégia da Reforma" e nas "Conclusões" é o financiamento integral por parte do Estado do chamado subsistema de solidariedade (regimes não contributivos), do sistema de acção social, e a responsabilidade partilhada do Estado em relação às isenções e bonificações de taxas, redução de receitas e aumentos de despesas por antecipação da idade de reforma, o que não deixa de ser correcto, embora deixe de fora, por ex., a parcela não contributiva da pensão mínima do regime geral; é o plafonamento dos salários e a criação de uma pensão complementar obrigatória gerida maioritariamente por entidades privadas, que nada contribui para a sustentabilidade futura da Segurança Social, como já mostramos, e como também já confessaram muitos dos seus mais acérrimos defensores; é a flexibilização da idade de reforma entre 62 anos e mais de 65 anos; é o aumento do período de cálculo da pensão dos actuais 15 anos para 25 anos, é a variação regressiva da taxa de substituição entre 100% ( para as pensões até a um salário mínimo nacional) e 70%

( para pensões até 5 salários mínimos nacionais); é a tributação das prestações da Segurança Social em categoria A do IRS; etc..Em resumo, medidas, algumas delas correctas, que não resolvem o problema da sustentabilidade financeira futura da Segurança Social.


Comentários finais

De acordo com o próprio grupo da Comissão liderado pelo seu presidente, Dr. Correia Campos, só no ano 2015 é que se verificaria a ruptura do equilíbrio financeiro da Segurança Social. No entanto, o Cenário Base que levou a esta conclusão assenta sobre as seguintes hipóteses: - Até ao ano 2.000, o emprego apenas cresceria 0,25%, e nos 5 anos seguintes apenas 0,15%, para, a partir do ano 2.010 até ao ano 2.050, o emprego nunca mais aumentar. Em relação à produtividade, até ao ano 2.020 cresceria 2,5%, e partir deste ano apenas 1,5%. Como consequência o crescimento económico seria apenas de 2% até 2.020, e a partir deste ano somente 1,5%. Portanto, longe vão as pretensões de aproximar o nível de desenvolvimento económico e de vida do nosso País do da UE. Por outro lado, é difícil de aceitar que o emprego deixará de crescer em Portugal como defende a Comissão, e que o aumento de produtividade, com as profundas e vertiginosas mudanças que se verificam no campo tecnológico, se reduza para 1,5%.

Para além disso, a ruptura do equilíbrio financeiro da Segurança Social no ano 2.015 assenta, como já mostramos: (1) Na ausência do combate à evasão e à fraude que se verifica em larga escala no campo do pagamento das contribuições para a Segurança Social, e não só na área fiscal; (2) Na ausência do pagamento das dívidas das empresas à Segurança Social que rondam já os 500 milhões de contos a preços correntes; (3) No não pagamento da dívida do Estado ao Regime Geral, que segundo o grupo do presidente, Dr. Correia Campos, ronda os 1.200 milhões de contos a preços correntes, mas que de acordo com o grupo da mesma Comissão liderado pelo Prof. Boaventura Santos atinge já 7.300 milhões de contos a preços de 1996, (4) Na manutenção de um sistema desactualizado de cálculo das contribuições das empresas para a Segurança Social; (5) Na manutenção de um Subregime de Independentes, que continuando a permitir a manipulação de carreiras contributivas e de bases de cálculo de contribuições, e mantendo taxas que não cobrem os custos dos benefícios prestados, determina todos os anos prejuízos que crescem continuamente.