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Ouvimos dizer que estás cansado

• Manuel Rodrigues

Os tempos não vão fáceis para quem ousa afrontar a ordem social dominante. A roda da História, após os espectaculares avanços do século XX, retrocedeu às brumas mais sombrias do capitalismo selvagem. A insegurança internacional, o terrorismo, a guerra, o genocídio, novas formas de escravatura e de exploração, o domínio quase planetário das forças (e das políticas) de direita, tornaram mais acidentados os caminhos dos que lutam por uma nova ordem mundial.

Também entre nós assim tem sido. Portugal, após a Revolução Democrática do 25 de Abril, que virou uma importante página da sua História, tem vindo a perder muito do legado político, económico, social e cultural desse período. As políticas de direita controlam as alavancas do poder executivo desde 1976; o poder económico, de novo concentrado em grandes monopólios nacionais e transnacionais, orienta e determina o poder político; violam-se direitos políticos, sindicais, sociais e laborais, na maior das impunidades.

Um só Partido, entre nós, - o Partido Comunista Português - vem dando sistemático combate a estas políticas. De facto, os comunistas têm sabido estar na linha da frente da resistência ao avanço desta «hidra tentacular», enfrentando a repressão, desafiando o(s) autoritarismo(s), combatendo as injustiças e reclamando os direitos sonegados. Não raras vezes, pagando com a vida, a perseguição, o exílio, a prisão e a tortura o seu «ousado atrevimento». Os comunistas (sem desconsideração pela luta de muitos outros democratas) têm estado, de facto, na linha da frente dos combates por um Portugal livre, democrático, justo e desenvolvido, dando um ímpar testemunho da validade e actualidade dos ideais revolucionários que os norteiam e em cujo horizonte se prefigura a construção de uma outra sociedade, a sociedade socialista.

Mas, se é verdade que assim é, não é menos verdade que em todas as batalhas (duras e longas como esta) se vem revelando natural que haja lutadores que se deixem vencer pelo cansaço ou tolher pelo desânimo. É da história (e da dialéctica) da natureza humana. Não é um fenómeno novo nem estranho. Dói e incomoda. Mas não espanta.

O que verdadeiramente surpreende é que, em muitos destes casos, emudecidos os ideias na vertigem do cansaço, depressa se abandonem (ou se troquem) os projectos, que outrora lhes alimentaram o imbatível espírito revolucionário. O que verdadeiramente inquieta é o processo de «milagrosa» metamorfose por que passam, em muitos destes casos, pessoas, concepções e ideais e que, à indomável inconformidade de ontem, oponham
agora a cega acomodação a uma espécie de fatalismo histórico, que desacredita as possibilidades de construção de um homem e de uma sociedade novos. E, na razão directa da sua «descrença», se apressem a deitar fora as «armas» com que lutaram por «um outro mundo possível», e de entre elas, a mais necessária, importante e poderosa: uma organização revolucionária, como é (e há-de continuar a ser) o Partido Comunista
Português.

Todos percebemos quão grande é o cansaço de muitos dos que gostariam que a morte dos próprios ideais fosse acompanhada pela morte do Partido que, umbilical e fielmente, lhos alimentou. Razão bastante para aqui deixar reproduzido o poema/aviso que Bertold Brecht, já lá vão mais de cinquenta (longos) anos, escreveu sobre os «cansados» das lutas do seu tempo.

Afinal de contas, é bom estarmos prevenidos de que «os lutadores que estão cansados de mais perdem as batalhas».


«Ouvimos dizer que estás arrasado.
Que já não podes andar de cá para lá. Que estás muito cansado.
Que já não és capaz de aprender.
Que estás liquidado.
Não se pode exigir de ti que faças mais.

Pois fica sabendo: nós exigimo-lo.
Se estiveres cansado e adormeceres
ninguém te acordará, nem
dirá: levanta-te, está aqui a comida.
Porque é que a comida havia de estar ali?

Se não podes andar de cá para lá, ficarás estendido.
Ninguém te irá buscar e dizer: houve
uma Revolução. As fábricas esperam por ti.
Porque é que havia de haver uma revolução?
Quando estiveres morto virão
enterrar-te, quer tu sejas ou não culpado
da tua morte.

Tu dizes: que já lutaste muito tempo
que já não podes lutar mais.
Se já não podes lutar mais, serás
destruído.

Dizes tu: que esperaste muito tempo.
Que já não podes ter esperanças.
Que esperavas tu? Que a luta fosse fácil?
Não é esse o caso: a nossa situação é pior que
tu julgavas.

É assim: se não levarmos a cabo o sobre-humano,
estamos perdidos.
Se não podermos fazer o que ninguém de nós pode
exigir, afundar-nos-emos.
Os nossos inimigos só esperam que nós nos cansemos.
Quando a luta é mais encarniçada é que os lutadores
estão mais cansados.
Os lutadores que estão cansados de mais, perdem
a batalha.»
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«Avante!» Nº 1499 - 22.Agosto.2002