Uma Quadrilha Internacional

Rui Paz

A agressão contra a Líbia já está a avançar para uma guerra aberta de ocu­pação

Ini­ci­al­mente apre­sen­tada como uma missão de «pro­tecção da po­pu­lação civil» através do es­ta­be­le­ci­mento de uma zona de «ex­clusão aérea», a agressão contra a Líbia ra­pi­da­mente se trans­formou numa ope­ração mi­litar de ataque contra alvos no solo e já está a avançar para uma guerra aberta de ocu­pação com a uti­li­zação de armas pro­ve­ni­entes das po­tên­cias da NATO e a pre­sença ac­tiva de mer­ce­ná­rios dis­far­çados de con­se­lheiros mi­li­tares.

Este ce­nário não é novo. Já o vimos na Bósnia em 1991 onde o então se­cre­tário-geral da ONU, Pérez de Cu­ellar, acusou a Ale­manha de sa­botar os es­forços para uma so­lução pa­cí­fica do con­flito e de atear o ras­tilho da guerra nos Balcãs. Re­petiu-se no Ko­sovo em 1999 com a NATO a de­sen­ca­dear uma ver­da­deira ca­tás­trofe hu­ma­ni­tária como o con­fir­maram o chefe da missão da OSCE na Ju­gos­lávia, ge­neral Heinz Lo­quai, ou a di­plo­mata norte-ame­ri­cana em Pris­tina, Norman Braun. Con­ti­nuou em 2001 com o ar­ra­sa­mento do Afe­ga­nistão pelos bom­bar­deiros norte-ame­ri­canos pouco de­pois de uma de­le­gação do então re­gime de Cabul ter re­cu­sado em Washington a as­si­na­tura de con­tratos para a cons­trução de ole­o­dutos com com­pa­nhias pe­tro­lí­feras te­xanas, e em 2003 com a men­tira das armas nu­cle­ares ira­qui­anas. A no­vi­dade nesta nova guerra «hu­ma­ni­tária» contra a Líbia é a par­ti­ci­pação pela pri­meira vez de es­tados árabes como o Qatar numa agressão mi­litar co­man­dada pela NATO.

 

Quem con­sultar a In­ternet (Wi­ki­pedia) fi­cará ra­pi­da­mente a saber que o Qatar é uma mo­nar­quia ab­so­luta con­fes­si­onal tendo como fun­da­mento do seu sis­tema ju­rí­dico a Charia. O chefe do Es­tado é o Emir que con­centra nas suas mãos o poder exe­cu­tivo e le­gis­la­tivo. Os par­tidos po­lí­ticos estão proi­bidos. O re­gime apoia-se em 11800 sol­dados ar­mados com aviões Mi­rage 2000 e tan­ques Le­o­pard for­ne­cidos pela França e pela Ale­manha e co­ad­ju­vados pelas forças aé­reas norte-ame­ri­cana e in­glesa es­ta­ci­o­nadas na Al Udeid Air Base, perto da ca­pital Doha. Mas esta forma de di­ta­dura feudal sus­ten­tada por bases mi­li­tares es­tran­geiras das prin­ci­pais po­tên­cias da NATO é comum às seis mo­nar­quias ab­so­lutas mem­bros do cha­mado Con­selho de Co­o­pe­ração do Golfo e apoi­antes desta nova guerra «li­ber­ta­dora» do im­pe­ri­a­lismo contra a Re­pú­blica Líbia.

 

A 7 de Abril de 2007 as agên­cias in­ter­na­ci­o­nais no­ti­ci­avam que «Sua Al­teza Real o Emir do Qatar, o Prí­cipe An­drew, Duque de York, os re­pre­sen­tantes da Ex­xon­Mobil (EUA) e da Total (França) todos ac­ci­o­nistas da Qatar Pe­tro­leum ce­le­braram em Doha a fun­dação da Qa­targas 2, um pro­jecto des­ti­nado a dotar a Grã-Bre­tanha das mais mo­dernas ins­ta­la­ções de pros­pecção, ex­plo­ração e im­por­tação de gás do mundo. A 27 de Março úl­timo, se­gundo uma fonte egípcia e de­pois do mo­narca do Qatar ter ma­ni­fes­tado o seu de­sejo de en­viar aviões e armas para apoiar os re­beldes na Líbia, a Qatar Pe­tro­leum as­sinou com Ali Tarhuni, res­pon­sável pela eco­nomia nas zonas ocu­padas por forças fiéis à NATO, con­tratos que ga­rantem ao Emir e aos ac­ci­o­nistas fran­ceses, in­gleses e norte-ame­ri­canos a co­mer­ci­a­li­zação do pe­tróleo líbio.

 

Cada vez que a NATO de­sen­ca­deia uma nova guerra per­cebe-se me­lhor quais são os ob­jec­tivos dos su­ces­sivos con­ceitos es­tra­té­gicos da mais po­de­rosa ali­ança mi­litar do mundo. Que os su­ces­sivos go­vernos do PS, PSD e CDS apoiem e sub­metam Por­tugal às de­ci­sões de uma or­ga­ni­zação mi­litar que age como uma pe­ri­gosa qua­drilha de sal­te­a­dores in­ter­na­ci­o­nais é um golpe tre­mendo contra os prin­cí­pios da Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa e da de­mo­cracia con­quis­tada com a Re­vo­lução do 25 de Abril. Mas não se pode es­perar que aqueles que en­tregam os tra­ba­lha­dores e o povo do seu país à vo­ragem do FMI e do im­pe­ri­a­lismo res­peitem a so­be­rania na­ci­onal dos ou­tros povos. É por isso que votar CDU a 5 de Junho é também de­fender o pres­tígio in­ter­na­ci­onal e a dig­ni­dade de Por­tugal.



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