A fatídica pirâmide de degraus

Jorge Messias

«Os cris­tãos não se podem li­mitar a pra­ticar actos de culto, têm de estar na rua, têm de saber dizer não quando sentem que há que dizer “não” … porque dizer não em voz alta, mesmo de forma rui­dosa, é um di­reito que as­siste a todos aqueles que se sentem ofen­didos na sua dig­ni­dade e àqueles a quem são re­ti­radas pos­si­bi­li­dades de vida digna» (An­tónio So­ares, Co­missão Jus­tiça e Paz, Se­túbal, 21.11.2011).

«A ideia de que a função dos por­tu­gueses é dizer mal dos go­vernos… não pode ser ! O pro­blema não se re­solve se cada um puxar a brasa à sua sar­dinha. Por­tugal sempre honrou os seus com­pro­missos ! Se nós co­la­bo­rarmos todos, o pró­prio Go­verno en­con­trará as so­lu­ções mais adap­tadas ...» (D. José Po­li­carpo ao Jornal de No­tí­cias, 4.10.2011).

«Não é a cons­ci­ência do homem que de­ter­mina o seu ser; é o in­verso, é o seu ser so­cial que de­ter­mina a sua cons­ci­ência» (Karl Marx, «Con­tri­buição à crí­tica da eco­nomia po­lí­tica»).

Dizem os co­nhe­ce­dores que a pi­râ­mide per­feita só foi con­ce­bida após longas ten­ta­tivas e a partir de ou­tras pi­râ­mides ir­re­gu­lares, de de­graus. O pro­blema não es­tava na con­cepção da cons­trução em vista. Re­sidia na des­lo­cação dos ma­te­riais pe­sados; quando essa di­fi­cul­dade ficou re­sol­vida, logo as pi­râ­mides de faces lisas co­me­çaram a surgir nos de­sertos. De­pois, o tempo ar­ruinou a maior parte delas. Tom­baram as grandes placas de pedra. Vol­taram a surgir os de­graus ir­re­gu­lares. Poucas cons­tru­ções so­bre­vi­veram.

Esta imagem pode servir de ilus­tração às re­a­li­dades ac­tuais do ca­pi­ta­lismo como sis­tema uni­versal o qual, dia-a-dia, ir­re­me­di­a­vel­mente se de­grada. No seu per­curso, os ca­pi­ta­listas con­du­ziram os povos ao de­serto e cons­truíram aí um pa­raíso ar­ti­fi­cial. Ima­gi­naram um mundo à me­dida dos seus de­sejos. De­pois – como não podia deixar de ser – a re­a­li­dade so­brepôs-se à utopia. Se pres­tarmos atenção ao que os pró­prios ban­queiros agora re­co­nhecem, no­ta­remos que falam cada vez menos em crise e cada vez mais em der­ro­cada emi­nente do euro, ali­cerce prin­cipal da União Eu­ro­peia e do pró­prio ca­pi­ta­lismo como sis­tema po­lí­tico e fi­nan­ceiro.

En­tre­tanto, os pró­ximos tempos vão sur­pre­ender mul­ti­dões des­pre­ve­nidas. Também elas con­fi­aram um dia na «va­rinha má­gica» dos «bons ban­queiros» que tudo pro­me­tiam. Ad­mi­tiram, talvez para ali­men­tarem a sua pró­pria ilusão, que o di­nheiro fácil do cré­dito que jor­rava da banca era ti­rado aos ricos para dar os po­bres. Com­pleta burla. E a igreja co­la­borou nesse crime.

Afinal, esse di­nheiro era o do povo, pago com o seu suor. Ao «em­prestá-lo» aos tra­ba­lha­dores, os ricos fi­cavam cada vez mais ricos e os po­bres cada vez mais po­bres. O di­nheiro pro­duzia cada vez mais di­nheiro, mais de­sem­prego, mais fomes e mais guerras, su­bida do custo de vida, golpe sobre golpe no Es­tado so­cial. Os lu­cros con­cen­travam-se nas mãos dos mul­ti­mi­li­o­ná­rios. É nesta fase de tran­sição que nos en­con­tramos.

Logo a se­guir virá o caos.

Os povos de­pressa apren­derão que os sa­cri­fí­cios im­postos são di­ri­gidos contra os po­bres e que as ten­ta­tivas de saque sel­vagem agu­dizam sempre as lutas de classes. O que ainda falha em muitos ci­da­dãos atin­gidos pela ex­plo­ração é a com­pre­ensão de que eles pró­prios cons­ti­tuem um poder de­ci­sivo ao qual só falta em parte a cons­ci­ência da força que possui. Outro será o homem de amanhã. Marx previu-o na­quele pen­sa­mento ci­tado à ca­beça das li­nhas deste texto: a cons­ci­ência so­cial forma-se na es­cola da re­a­li­dade.

Os ca­tó­licos co­meçam a en­tender todas estas ra­zões. A partir de agora nada será como dantes. As portas de oiro cerram-se uma a uma. En­cur­ra­lado, o Ca­pi­ta­lismo vai tentar ci­lin­drar o Tra­balho e es­magar os di­reitos dos tra­ba­lha­dores, sejam eles ateus, ag­nós­ticos ou crentes. Do «outro lado da bar­ri­cada» alinha a hi­e­rar­quia da igreja que va­lida as me­didas do grande ca­pital uni­versal, adere às ac­ções do Go­verno, apoia a troika e re­clama um só poder no go­verno das na­ções. Os car­deais e os bispos agem em termos de mer­cado. É-lhes in­di­fe­rente que as suas op­ções re­sultem na re­con­dução das si­tu­a­ções que con­du­ziram, entre as duas guerras, à as­censão do fas­cismo e à mi­li­ta­ri­zação da so­ci­e­dade, fac­tores que voltam a estar sobre a mesa e que apontam para uma III Guerra Mun­dial.

Será rá­pida, cruel e de­ci­siva esta fase do des­pertar das massas po­pu­lares. Lu­ta­remos lado a lado e so­fre­remos. Mas, fi­nal­mente, ven­ce­remos!.

O So­ci­a­lismo é a única via aberta ao fu­turo co­lec­tivo da Hu­ma­ni­dade.



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