Como Janus...

Aurélio Santos

Cele­brámos há poucos dias mais uma pas­sagem de ano. Manda a tra­dição an­ces­tral que a 1 de Ja­neiro se for­mulem votos de um Bom Ano, se re­tomem pro­messas e se re­nove a es­pe­rança de ver cum­pridos so­nhos, tantas vezes adi­ados a vida in­teira.

A festa do Ano Novo chegou até nós vinda da Roma an­tiga em que este dia era de­di­cado a Janus. Janus, o deus das portas, o deus da tran­sição entre o pas­sado e o fu­turo, entre a guerra e a paz entre o atraso e a ci­vi­li­zação. Janus o deus bi­fronte com dis­cursos opostos.

Há no ac­tual Go­verno algo que faz lem­brar Janus.

Quem re­co­nhece hoje no dis­curso do pri­meiro-mi­nistro o can­di­dato Passos Co­elho quando em Maio do ano findo, du­rante a cam­panha elei­toral, pro­metia não au­mentar os im­postos, mos­trando-se até in­dig­nado com o nível que estes ti­nham atin­gido em Por­tugal? Quem re­co­nhece no mi­nistro Paulo Portas o líder par­la­mentar cheio de pre­o­cu­pa­ções so­ciais?

Diz a mi­to­logia que Janus era o por­teiro ce­les­tial. Este Go­verno também pa­rece apos­tado em abrir portas e fazer descer quem tra­balha e vive do seu sa­lário às pro­fun­dezas do in­ferno.

Janus era o deus da tran­sição entre o atraso e o pro­gresso, este é o Go­verno do re­tro­cesso que pre­tende fazer-nos re­cuar dé­cadas e dé­cadas, re­ti­rando di­reitos ad­qui­ridos até mesmo antes do 25 de Abril.

A co­berto do manto de uma crise em que muito está por ex­plicar, a co­berto de um dé­fice de que o PSD é co­ni­vente e, como tal, res­pon­sável, o Go­verno mais não faz do que pro­mover a mi­séria e o de­sem­prego.

In­sen­sível aos cada vez mais graves dramas so­ciais per­siste em pro­teger o ca­pital pa­ra­si­tário e mas­sa­crar quem tra­balha e produz, isto é: – re­solver a crise à custa das ví­timas pro­te­gendo os al­gozes.

De­sen­gane-se quem es­pera que os tra­ba­lha­dores fi­quem quedos e mudos pe­rante esta ofen­siva.

De­si­luda-se quem pensa que os tra­ba­lha­dores vão aceitar pa­cí­fica e se­re­na­mente ser es­po­li­ados de tudo o que cons­truíram.



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