O que está em jogo?

Pedro Guerreiro

As forças de es­querda estão no go­verno mas não detêm o poder

As ma­ni­fes­ta­ções po­pu­lares no Brasil ex­pu­seram de forma vi­go­rosa a luta de classes, as con­tra­di­ções e a com­ple­xi­dade da si­tu­ação neste grande país.

As ma­ni­fes­ta­ções contra o au­mento do preço dos trans­portes e exi­gindo trans­portes pú­blicos de qua­li­dade, tendo sido ini­ci­adas em São Paulo e após vi­o­len­ta­mente re­pri­midas pela Po­lícia Mi­litar, ra­pi­da­mente se alas­traram a todo o país, in­cor­po­rando ou­tras rei­vin­di­ca­ções so­ciais.

Re­corde-se que o Brasil ini­ciou uma vi­ragem po­lí­tica com a eleição do pre­si­dente Lula, em 2002, que me­lho­rando as con­di­ções de vida de mi­lhões de bra­si­leiros e afir­mando a so­be­rania na­ci­onal – dando um con­tri­buto va­lioso para o avanço da eman­ci­pação da Amé­rica La­tina da al­çada dos EUA e para a im­por­tante cri­ação e di­nâ­mica dos BRICS –, não en­cetou as pro­fundas trans­for­ma­ções so­ciais, eco­nó­micas e po­lí­ticas que ata­ca­riam a raiz das bru­tais de­si­gual­dades so­ciais exis­tentes neste país.

In­te­grando-se nos pro­cessos pro­gres­sistas e de de­sen­vol­vi­mento so­be­rano que têm lugar na Amé­rica La­tina, o Brasil não vive um pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário. As forças de es­querda que ele­geram Lula e Dilma, abrindo ca­minho a uma vi­ragem, estão no go­verno mas não detêm o poder.

Aqueles que detêm o poder eco­nó­mico e que são res­pon­sá­veis pelos grandes pro­blemas que o Brasil e o seu povo en­frentam, pro­curam – desde o pri­meiro mo­mento e con­tro­lando os grandes meios de co­mu­ni­cação –, de­ter­minar o rumo das ma­ni­fes­ta­ções po­pu­lares, pre­ten­dendo virá-las contra as forças po­lí­ticas pro­gres­sistas, pro­vocar uma crise po­lí­tica e, se pos­sível, criar as con­di­ções para re­verter os avanços so­ciais al­can­çados – num ce­nário si­milar a ou­tras ope­ra­ções de in­ge­rência dos EUA contra países da re­gião.

As forças de­mo­crá­ticas e pro­gres­sistas bra­si­leiras co­locam-se pe­rante o de­safio e a ne­ces­si­dade de, con­tra­ri­ando a ten­ta­tiva de ins­tru­men­ta­li­zação das ma­ni­fes­ta­ções por parte das forças re­a­ci­o­ná­rias, apro­veitar esta opor­tu­ni­dade para im­pul­si­onar novas e mais am­plas me­didas e trans­for­ma­ções de sen­tido pro­gres­sista.

Para tal, será fun­da­mental am­pliar, de­sen­volver e in­te­grar novas ca­madas na luta or­ga­ni­zada dos tra­ba­lha­dores e das po­pu­la­ções, as­se­gurar a me­lhoria das con­di­ções de vida do povo bra­si­leiro – em áreas como a saúde, a edu­cação, a ha­bi­tação ou a se­gu­rança so­cial –, dar so­lução aos com­plexos pro­blemas das grandes ci­dades e res­posta às as­pi­ra­ções da ju­ven­tude.

Os re­centes acon­te­ci­mentos de­mons­tram que a con­ti­nui­dade dos avanços al­can­çados nas con­di­ções de vida da ge­ne­ra­li­dade do povo bra­si­leiro co­loca como questão cen­tral o apro­fun­da­mento do pro­cesso que está na sua origem e que foi ini­ciado há cerca de dez anos.

Um ca­minho que passa pelo re­tomar da ini­ci­a­tiva, pelo re­cru­des­ci­mento da luta e par­ti­ci­pação das massas e, con­se­quente, re­forço e uni­dade das forças po­lí­ticas e so­ciais que se pro­põem pro­ta­go­nizar e levar a cabo o pro­grama de pro­fundas trans­for­ma­ções de­mo­crá­ticas e pro­gres­sistas, pelo qual o povo bra­si­leiro desde há muito an­seia.

A res­posta às as­pi­ra­ções da mai­oria es­ma­ga­dora do povo bra­si­leiro, o avanço na con­cre­ti­zação dos seus di­reitos, passa pela con­quista de uma justa re­dis­tri­buição da ri­queza e pelo con­trolo dos meios e ins­tru­mentos eco­nó­micos que a as­se­gu­rarão, o que sig­ni­fi­cará afrontar o do­mínio dos grandes grupos fi­nan­ceiros e eco­nó­micos, que con­trolam grande parte da eco­nomia bra­si­leira.

Isto é, os avanços so­ciais – os al­can­çados e os a al­cançar –, só po­derão ser con­so­li­dados pela re­a­li­zação de sig­ni­fi­ca­tivas trans­for­ma­ções eco­nó­micas e po­lí­ticas e pela cons­trução de uma cor­re­lação de forças que as per­mita con­cre­tizar.



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