Angola

Apenas uma questão humanitária?

Na sequência da de­tenção de 15 ci­da­dãos an­go­lanos, em Junho pas­sado, acu­sados de in­tentar ac­ções com vista à des­ti­tuição dos ór­gãos de so­be­rania an­go­lanos, à cri­ação de um go­verno de tran­sição e à ela­bo­ração de uma nova Cons­ti­tuição, as au­to­ri­dades an­go­lanas, afir­mando es­tarem a ser ga­ran­tidos os di­reitos dos de­tidos, em con­for­mi­dade com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica de An­gola e a le­gis­lação an­go­lana, anun­ci­aram o início do seu jul­ga­mento no pró­ximo dia 16 de No­vembro.

Não se pro­nun­ci­ando sobre as mo­ti­va­ções con­cretas dos ci­da­dãos en­vol­vidos neste pro­cesso e sobre a forma como as au­to­ri­dades an­go­lanas in­ter­vi­eram no de­curso do seu de­sen­vol­vi­mento, o PCP ex­pressou o apelo às au­to­ri­dades an­go­lanas, no quadro do res­peito da so­be­rania e ordem ju­rí­dico-cons­ti­tu­ci­onal de An­gola, a con­si­de­ração da si­tu­ação hu­ma­ni­tária de um dos de­tidos, que en­tre­tanto viu de­te­ri­orar-se o seu es­tado de saúde em con­sequência de uma greve de fome.

Re­la­ti­va­mente a estes acon­te­ci­mentos, re­fira-se que al­guns têm vindo a tomar po­sição em Por­tugal pro­mo­vendo, no fun­da­mental, os mesmos ar­gu­mentos e pre­textos já antes in­vo­cados para jus­ti­ficar a es­ca­lada de in­ge­rência e, mesmo, a in­ter­venção mi­litar ex­terna em di­versos países, com os graves de­sen­vol­vi­mentos e re­sul­tados opostos àqueles que tão cí­nica e hi­po­cri­ta­mente pro­clamam – de que a Líbia é dra­má­tico exemplo, no quadro da ac­tual ofen­siva ne­o­co­lo­ni­a­lista le­vada a cabo pelo im­pe­ri­a­lismo em África.

Ao con­trário do que al­guns pre­tendem, Por­tugal não deve, de novo, ser ins­tru­mento e servir de pla­ta­forma para a pro­moção da in­ge­rência contra um Es­tado so­be­rano, de­sig­na­da­mente ao ser­viço da­queles que, en­vol­vendo e mo­bi­li­zando ci­da­dãos an­go­lanos par­tindo de reais pro­blemas, con­tra­di­ções, fe­nó­menos ne­ga­tivos e le­gí­timos an­seios, de facto agem com o in­tuito de os ins­tru­men­ta­lizar para de­ses­ta­bi­lizar e con­cre­tizar a de­no­mi­nada «tran­sição» ou «mu­dança» de re­gime em An­gola, com base nas te­o­ri­za­ções do cha­mado «golpe de Es­tado suave», im­pul­si­o­nado a partir do ex­te­rior.

A este pro­pó­sito, su­blinhe-se que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa con­sagra, entre ou­tros prin­cí­pios, o res­peito pela so­be­rania e in­de­pen­dência na­ci­o­nais e a se­pa­ração dos po­deres po­lí­tico e ju­di­cial. Prin­cí­pios que, na­tu­ral­mente, têm apli­cação nas re­la­ções entre Por­tugal e An­gola, de­sig­na­da­mente pelo res­peito da sua so­be­rania e pela re­jeição da ten­ta­tiva de re­tirar do foro ju­di­cial uma questão que a este com­pete es­cla­recer, no quadro da ordem ju­rí­dico-cons­ti­tu­ci­onal an­go­lana.

An­gola as­si­na­lará no pró­ximo dia 11 de No­vembro os 40 anos da sua in­de­pen­dência. Uma con­quista do seu povo, al­can­çada em 1975, após uma longa e he­róica luta de li­ber­tação na­ci­onal contra o co­lo­ni­a­lismo por­tu­guês, li­de­rada pelo Mo­vi­mento Po­pular para a Li­ber­tação de An­gola, o MPLA. No en­tanto, a jovem Re­pú­blica Po­pular de An­gola so­freu, desde a pri­meira hora, a agressão do im­pe­ri­a­lismo. Agressão que, num pri­meiro mo­mento, foi pro­ta­go­ni­zada pelo re­gime de apartheid sul-afri­cano – que in­vadiu mi­li­tar­mente An­gola – e, pos­te­ri­or­mente, pelos Es­tados Unidos – que fo­men­taram uma guerra civil que só viria a ter­minar em 2002.

O PCP foi so­li­dário com o povo an­go­lano na sua luta de li­ber­tação na­ci­onal, contra a agressão do re­gime de apartheid sul-afri­cano e pelo fim da in­ge­rência do im­pe­ri­a­lismo. En­quanto ou­tros cons­pi­ravam e trans­for­mavam Por­tugal numa pla­ta­forma contra An­gola e o seu povo, o PCP pugnou (e con­tinua co­e­ren­te­mente a pugnar) pelo res­peito da so­be­rania do povo an­go­lano e dos seus di­reitos – à li­ber­dade, à so­be­rania, à in­de­pen­dência, à in­te­gri­dade ter­ri­to­rial e à uni­dade do seu Es­tado, ao pro­gresso so­cial – e pelo apro­fun­da­mento das re­la­ções de ami­zade e co­o­pe­ração entre o povo por­tu­guês e o povo an­go­lano e entre Por­tugal e An­gola.

Desde 2002, An­gola en­frentou o enorme de­safio de re­cons­truir um país des­truído e di­la­ce­rado por cerca de 40 anos de guerra. Treze anos de­pois, cons­ci­entes dos exi­gentes e com­plexos pro­blemas so­ciais e eco­nó­micos com que An­gola se de­bate – além do mais, de­vido ao im­pacto da des­cida do preço do pe­tróleo na sua eco­nomia –, existem in­te­resses ex­ternos e sec­tores da so­ci­e­dade an­go­lana que con­si­deram cri­adas as con­di­ções e che­gado o mo­mento de fo­mentar a de­ses­ta­bi­li­zação neste país. Não é cer­ta­mente ca­sual que a UNITA, que tanta morte e des­truição causou ao povo an­go­lano, se es­teja a po­si­ci­onar neste sen­tido.

Foi o povo an­go­lano que con­quistou a so­be­rania, a in­de­pen­dência e a paz. Hoje como antes, com­pete ao povo an­go­lano, livre de pres­sões e in­ge­rên­cias ex­ternas, a su­pe­ração dos pro­blemas com que An­gola se con­fronta.

Co­lo­cando a ne­ces­si­dade de res­posta a ques­tões hu­ma­ni­tá­rias e do exer­cício dos di­reitos cí­vicos e po­lí­ticos este é também o mo­mento para afirmar que não se­remos ins­tru­mento para fazer de An­gola uma nova Líbia com o seu rasto de des­truição, so­fri­mento, de­vas­tação e morte e que con­tri­bui­remos para que tais ob­jec­tivos se não con­cre­tizem.

 



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