Angola: solidariedade<br>e coerência

João Oliveira (Membro da Comissão Política)

A ra­pidez com que se passa da dis­cussão de um pro­cesso ju­di­cial em curso nos tri­bu­nais an­go­lanos para con­si­de­ra­ções ca­te­gó­ricas sobre An­gola e o ca­minho que os an­go­lanos devem fazer mostra bem o quadro em que é feita esta dis­cussão.

O PCP não será ins­tru­mento dos que querem fazer de An­gola uma nova Líbia

Quem re­cor­ren­te­mente tem le­vado à As­sem­bleia da Re­pú­blica a dis­cussão sobre An­gola não tem qual­quer pre­o­cu­pação com o povo an­go­lano, as suas con­di­ções de vida, a sua li­ber­dade ou o seu fu­turo. Pre­tende sim en­con­trar um pre­texto que lhe per­mita re­tirar di­vi­dendos po­lí­ticos ime­di­atos ins­tru­men­ta­li­zando le­gí­timos sen­ti­mentos de so­li­da­ri­e­dade com aquele povo, mesmo que para isso tenha de acom­pa­nhar (e ali­mentar) uma cam­panha que visa atingir o con­trário das pro­cla­ma­ções sobre li­ber­dade e de­mo­cracia com que se dis­farça.

E se, pelo ca­minho, houver con­di­ções para apontar toda a ar­ti­lharia ao PCP, tanto me­lhor. Não se es­pera se­quer meia-dúzia de horas para que, a partir da co­mu­ni­cação so­cial do­mi­nante ou das redes so­ciais, se es­teja a atirar àquele que, para muitos, era afinal o alvo es­con­dido sob o pre­texto de An­gola. Ou será que nin­guém es­tranha que se tenha ocu­pado mais tempo a atacar a po­sição do PCP (em muitos casos sem se­quer a co­nhecer ou de­tur­pando os seus fun­da­mentos) do que a es­cru­tinar os ar­gu­mentos da­queles que usam ora Ra­fael Mar­ques ora Luaty Beirão para se guin­darem a edu­ca­dores do povo an­go­lano, di­tando aos an­go­lanos o que o seu país é e o que dele devem fazer?

É óbvio que a mai­oria dos por­tu­gueses se iden­ti­fica com os an­seios do povo an­go­lano de viver num país mais de­mo­crá­tico, mais de­sen­vol­vido e com mais jus­tiça so­cial e, na­tu­ral­mente, é so­li­dária com essa luta do povo an­go­lano. E a questão nem se­quer é a da le­gi­ti­mi­dade e jus­teza dessas as­pi­ra­ções e rei­vin­di­ca­ções, que não se ques­ti­onam onde quer que seja que os tra­ba­lha­dores e os povos lutem para as al­cançar. A questão é a de saber se essas justas as­pi­ra­ções e rei­vin­di­ca­ções são ou não ins­tru­men­ta­li­zadas con­du­zindo pre­ci­sa­mente à sua ne­gação.

Ma­ni­pu­lação e ocul­tação

Em nome da li­ber­dade, dos di­reitos hu­manos e da de­mo­cracia fi­zeram-se as guerras ao Iraque e à Líbia, que ser­viram afinal para sa­quear e con­trolar as ri­quezas da­queles países, des­truindo os seus es­tados e ne­gando aos tra­ba­lha­dores e aos povos desses países os mais ele­men­tares di­reitos. Em nome da li­ber­dade, da de­mo­cracia e da jus­tiça so­cial deram-se apoios e fi­nan­ci­a­mento àqueles que se de­sig­nava por «com­ba­tentes da li­ber­dade», in­cluindo os que a partir da Síria, da Líbia ou do Iraque vi­eram a cons­ti­tuir com esse apoio o que hoje se de­signa por auto-pro­cla­mado Es­tado Is­lâ­mico (ou Daesh).

Em nome do com­bate à cor­rupção e à oli­gar­quia e exi­gindo li­ber­dade e de­mo­cracia foram apoi­ados na Ucrânia os gol­pistas da Praça Maidan que con­du­ziram os nazi-fas­cistas ao poder, mesmo quando já era claro que era essa a na­tu­reza das forças que di­ri­giam e que eram falsas as pro­cla­ma­ções com que se dis­si­mu­lavam.

Nin­guém nega a jus­teza das as­pi­ra­ções e rei­vin­di­ca­ções de mais de­mo­cracia, li­ber­dade e jus­tiça so­cial mas também nin­guém se atre­verá a negar que elas foram ins­tru­men­ta­li­zadas para con­duzir ao re­sul­tado exac­ta­mente oposto.

So­li­da­ri­e­dade ou ins­tru­mento?

A so­li­da­ri­e­dade do PCP com os tra­ba­lha­dores e o povo an­go­lano exige que não dei­xemos An­gola à mercê de quem quer fazer da­quele país o mesmo que fez à Líbia ou ao Iraque, ins­tru­men­ta­li­zando le­gí­timos an­seios ou as­pi­ra­ções. A nossa so­li­da­ri­e­dade com os tra­ba­lha­dores e os povos que lutam por mais de­mo­cracia, li­ber­dade e jus­tiça so­cial exige que re­cu­semos acom­pa­nhar aqueles que, em nome desses va­lores, ali­mentam ope­ra­ções que con­duzam à in­ge­rência, à de­ses­ta­bi­li­zação ex­terna e à guerra e à im­po­sição de menos li­ber­dade, menos de­mo­cracia e menos jus­tiça so­cial.

Mesmo quando para al­guns isso é di­fícil de com­pre­ender por que não bate certo com as ope­ra­ções me­diá­ticas cons­truídas a partir da pro­pa­ganda de­ter­mi­nada pelos cen­tros do im­pe­ri­a­lismo. Ou será que nin­guém es­tranha que as po­si­ções as­su­midas por BE e PS nos votos que apre­sen­taram sobre An­gola sejam con­ver­gentes com aquelas que foram as­su­midas pelo De­par­ta­mento de Es­tado norte-ame­ri­cano e pela União Eu­ro­peia?

Ao con­trário de ou­tros, que se po­si­ci­onam como ins­tru­mentos de cada ope­ração de­sen­ca­deada pelo im­pe­ri­a­lismo para li­quidar a so­be­rania e sub­meter países às suas or­dens, que têm as suas mãos sujas com o so­fri­mento, a morte e a de­vas­tação que atinge os povos desses países, que são também res­pon­sá­veis pelos mi­lhões de re­fu­gi­ados que re­sultam dessas agres­sões, o PCP afir­mará sempre a sua de­fesa da li­ber­dade, da de­mo­cracia, dos di­reitos dos ci­da­dãos e nunca será ins­tru­mento ao ser­viço das ope­ra­ções que querem fazer de An­gola mais uma ví­tima, que queiram fazer de An­gola uma nova Líbia.




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