Contradições

António Rodrigues

LUSA

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Um pre­si­dente não de­veria dizer isso... é o tí­tulo de um livro da au­toria de Gé­rard Davet e Fa­brice Lhomme, que contém a re­ve­lação bom­bás­tica do pre­si­dente francês de que, desde que foi eleito, as contas apre­sen­tadas pelo seu país em Bru­xelas, com a cum­pli­ci­dade da Co­missão Eu­ro­peia, eram falsas. Mas o que que­remos su­bli­nhar desse livro é a tese de­fen­dida por Fran­çois Hol­lande: «Nós di­zemos: somos a França, nós pro­te­gemo-vos, temos umas Forças Ar­madas, uma força de dis­su­asão, uma di­plo­macia. Eles, os eu­ro­peus, sabem que pre­cisam de nós e, por­tanto, isso paga-se». Esta afir­mação per­mite chamar a atenção, por um lado, para os que correm atrás dos po­pu­lismos e acham su­pér­fluo todos os gastos mi­li­tares e que, desta forma, po­derão per­ceber que se dei­xás­semos de ter Forças Ar­madas os nossos «amigos», fran­ceses ou ou­tros, ra­pi­da­mente ocu­pa­riam o nosso vazio mi­litar, pa­gando nós a fac­tura, é claro! Mas, por outro, de­monstra o em­buste que é o cha­mado pool and sha­ring, pro­cesso de co­o­pe­ração que, for­mal­mente, visa a par­tilha de meios e mis­sões de so­be­rania entre países, mas que a ar­ro­gante afir­mação do pre­si­dente francês põe a nu con­firmando que as na­ções mais po­de­rosas não pre­tendem par­ti­lhar coisa ne­nhuma, pre­tendem, isso sim, a es­pe­ci­a­li­zação e o es­va­zi­a­mento das Forças Ar­madas dos países de menor di­mensão e a sua pe­ri­fe­ri­zação.

Cortes cegos

Tudo isto no mo­mento em que se dis­cute o Or­ça­mento de Es­tado para o pró­ximo ano, no­me­a­da­mente para a De­fesa Na­ci­onal e as Forças Ar­madas (FA), uma área em que se as­sume, no es­sen­cial, a con­ti­nui­dade de po­lí­ticas de go­vernos an­te­ri­ores e cujos re­sul­tados saltam à vista. A este pro­pó­sito, re­fira-se as con­clu­sões do inqué­rito ao aci­dente com o C-130 da Força Aérea por­tu­guesa e dizer que, in­de­pen­den­te­mente das cir­cuns­tân­cias, a ver­dade é que nos úl­timos anos os cortes cegos no fi­nan­ci­a­mento mi­litar ti­veram re­per­cus­sões graves nos três ramos das FA. Como con­sequência, as­sis­timos à re­dução do pro­duto ope­ra­ci­onal, em re­sul­tado das li­mi­ta­ções im­postas à ma­nu­tenção dos meios, à for­mação e ao treino dos mi­li­tares, no­me­a­da­mente ao nível dos pi­lotos que viram re­duzir-se, não só o nú­mero de pi­lotos co­man­dantes, mas também, e de forma acen­tuada, as horas de voo, no­me­a­da­mente ao nível do treino.

Em função desta es­cassez de verbas, pa­rece pouco sen­sato ali­mentar a ideia de que o Es­tado possa ad­quirir, a curto ou médio prazo, um navio po­li­va­lente lo­gís­tico para a Ma­rinha, in­de­pen­den­te­mente da con­si­de­ração que se faça sobre a sua uti­li­dade para as nossas FA. O pro­blema são os custos de aqui­sição, ma­nu­tenção e res­pec­tivas con­sequên­cias no or­ça­mento mi­litar, mesmo con­si­de­rando que a Lei de Pro­gra­mação Mi­litar não fi­cará su­jeita a ca­ti­va­ções pelo se­gundo ano con­se­cu­tivo. Porque, por muito in­te­res­sante que possa ser a opor­tu­ni­dade de ne­gócio que even­tu­al­mente surja, o custo será sempre de largas de­zenas de mi­lhões de euros e acar­re­taria cer­ta­mente novas exi­gên­cias em meios hu­manos e ma­te­riais, quando a Ma­rinha não tem tido di­nheiro para fazer as pro­gra­madas e atem­padas re­vi­sões dos seus na­vios e he­li­cóp­teros, e apre­senta di­fi­cul­dades em cons­ti­tuir as ne­ces­sá­rias guar­ni­ções, por força das li­mi­ta­ções fi­nan­ceiras que se re­per­cutem no re­cru­ta­mento! Isto, para não fa­larmos, por exemplo, da Força Aérea e do pro­jecto de mo­der­ni­zação dos C-130, que se ar­rasta há anos.

De­finir pri­o­ri­dades

Daí a im­por­tância na de­fi­nição de pri­o­ri­dades em sede de dis­cussão or­ça­mental, tor­nando-se pouco com­pre­en­sível que, por exemplo, se au­mente con­se­cu­ti­va­mente as verbas para as Forças Na­ci­o­nais Des­ta­cadas e não haja di­nheiro para re­vogar a norma im­posta pelo an­te­rior go­verno que re­tira, nos três pri­meiros meses da for­mação com­ple­mentar, a gra­du­ação aos mi­li­tares em re­gime de con­trato e vo­lun­ta­riado e con­se­quen­te­mente a res­pec­tiva re­mu­ne­ração mensal. É que esta si­tu­ação con­tribui so­bre­ma­neira para o ele­vado dé­fice no re­cru­ta­mento das nossas Forças Ar­madas, e não se pode pensar em re­solver o pro­blema sem al­terar esta si­tu­ação.

É ilu­sório pensar-se que a questão do re­cru­ta­mento se re­sol­verá por artes má­gicas de ac­ções pu­bli­ci­tá­rias, por mais atrac­tivas e «mo­dernas» que sejam as rou­pa­gens com que se apre­sentem, seja nos grandes meios de co­mu­ni­cação ou nas redes so­ciais.

 



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