DACA, o prelúdio de uma tragédia

António Santos

Com o be­ne­plá­cito do Par­tido De­mo­crata, o Con­gresso dos EUA adiou para 2018 qual­quer so­lução para ex-be­ne­fi­ciá­rios do De­ferred Ac­tion for Childhood Ar­rival (DACA), su­jei­tando 800 mil imi­grantes a des­pe­di­mentos e de­por­ta­ções.

Pro­messa elei­toral da se­gunda cam­panha de Obama, a lei DACA nasceu como uma moeda de troca: em vez de atri­buir o es­ta­tuto legal a todas as pes­soas que imi­graram para os EUA me­nores de idade, como pe­diam os pro­po­nentes da lei DREAM, o DACA fazia o que o nome in­dica: «acção adiada para che­gadas na in­fância». Ou seja, adiava a de­por­tação e ga­rantia li­cenças pro­vi­só­rias para tra­ba­lhar, não al­te­rando, con­tudo a si­tu­ação de ile­ga­li­dade. O po­de­roso mo­vi­mento dos di­reitos dos imi­grantes, que em 2006 e 2007 or­ga­ni­zara ma­ni­fes­ta­ções de mi­lhões de pes­soas, aceitou o com­pro­misso e aban­donou as ruas, re­ce­bendo em troca uma dúzia de as­sentos de­mo­cratas no Con­gresso. Apesar da DACA e da co­op­tação das prin­ci­pais or­ga­ni­za­ções dos imi­grantes, Obama viria a no­ta­bi­lizar-se pelo maior nú­mero de de­por­ta­ções da his­tória dos EUA (mais de três mi­lhões) e pela vi­o­lência contra os imi­grantes não-do­cu­men­tados de que é exemplo a in­tro­dução de quotas mí­nimas nos cen­tros de de­tenção fe­de­rais.

Quando, em Se­tembro deste ano, a DACA foi en­ter­rada por Trump, o sig­ni­fi­cado da ex­pressão «acção adiada» tornou-se óbvio: a um ritmo de 122 pes­soas por dia, os be­ne­fi­ciá­rios da DACA, co­me­çaram a ver re­vo­gadas as suas au­to­ri­za­ções de tra­balho e re­si­dência. No total, só desde Se­tembro, mais de 11 mil pes­soas que vi­veram toda a vida nos EUA foram proi­bidas de tra­ba­lhar e em­pur­radas para uma equação de clan­des­ti­ni­dades em que o medo é a única cons­tante.

RAISE e SE­CURE, có­digo para mais re­pressão

Feitas as contas, de pouco valeu uma dé­cada a cons­truir o lobby da imi­gração em Washington e a eleição de con­gres­sistas imi­grantes nas listas de­mo­cratas.

En­quanto o drama se apro­funda, os de­mo­cratas ga­rantem que a so­lução che­gará de­fi­ni­ti­va­mente a 19 de Ja­neiro, mas o líder dos Re­pu­bli­canos no Se­nado, Mitch Mc­Connel já veio a ter­reiro para des­fazer quais­quer ilu­sões: «O pre­si­dente deu-nos até Março para tra­tarmos desse pro­blema. Temos muito tempo para fazê-lo», fez saber.

A grande questão não é, con­tudo, quando che­gará a so­lução para os ex-be­ne­fi­ciá­rios da DACA mas o preço que os de­mo­cratas estão dis­postos a pagar. Em troca de uma versão ainda mais li­mi­tada da DACA co­nhe­cida como SE­CURE, os re­pu­bli­canos exigem o apoio dos de­mo­cratas para a lei RAISE, que poria fim aos vistos de re­si­dência para fa­mi­li­ares de ci­da­dãos dos EUA com a ex­cepção de pais e fi­lhos me­nores. Si­mul­ta­ne­a­mente, a lei RAISE re­du­ziria para um terço o nú­mero de vistos de imi­gração ac­tu­al­mente dis­po­ní­veis. Também em cima da mesa, no âm­bito da lei SE­CURE, está o fi­nan­ci­a­mento do muro com o Mé­xico, a con­tra­tação de mais guardas fron­tei­riços e po­lí­cias de imi­gração (ICE) e a pe­na­li­zação das cha­madas «ci­dades san­tuário» que se re­cusam a co­la­borar na caça aos imi­grantes.

A DACA, que em 2012 foi uma moeda de troca elei­toral, pode vir agora a ser o pas­sa­porte para as leis mais xe­nó­fobas desde os campos de con­cen­tração de ja­po­neses entre 1942 e 1946.




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