De que se ri Lakeith

António Santos

Lakeith Smith tinha 15 anos e estava desarmado quando foi surpreendido pela polícia, juntamente com outros quatro adolescentes, a assaltar uma moradia em Montgomery, no Alabama. A polícia disparou e matou um dos rapazes, A’Donte Washington, de 16 anos. Na semana passada, Lakeith, que acabou de fazer 18 anos, foi condenado a 65 anos de prisão.

Só o título é enganador: não é rigoroso afirmar que Lakeith se tenha rido quando o juiz Sibley Reynolds lhe sugeriu que se declarasse culpado do homicídio de A’Donte em troca de uma pena de 25 anos de prisão. Segundo uma lei do Alabama, a extravagante «norma da cumplicidade», as mortes causadas pela polícia podem ser imputadas aos alvos da operação policial. Lakeith, porém, foi o único dos quatro sobreviventes que recusou o acordo: não aceitou declarar-se culpado do homicídio do seu amigo. E sorriu, apenas. Irado, o juiz chamou-lhe «animal» e fez saber que «durante os próximos 65 anos não irá sorrir muitas vezes».

A comunicação social dominante celebrou o caso com apetites sádicos disfarçados de lição de humildade: seria preciso punir exemplarmente a arrogância de quem assalta uma casa e ainda se ri. Mas Jennifer Bolton, a advogada de Lakeith, contou-me uma versão diferente: «ao contrário do que foi dito, ele não se estava a rir do juiz. Estava a sorrir porque já sabia o que espera um jovem negro perante um júri cem por cento branco no Alabama. No mês passado, um caso famoso de pedofilia terminou com uma pena de quatro anos. O Lakeith arrombou uma casa quando tinha quinze anos e apanhou 65 anos porque não era uma criança: era, como disse o juiz, “um animal”».

E não é só Lakeith. Nos EUA, todos os anos 250 mil crianças são «julgadas como adultos» por decisão judicial. 84 por cento destas crianças são negras e acabam encarceradas em prisões de adultos.

Não é já a hora de o mundo julgar o regime estado-unidense pelos crimes contra o seu próprio povo? Podíamos começar com Flint, no Michigan, onde quatro anos e 12 mil crianças envenenadas depois, as torneiras continuam a encher copos de água contaminada com chumbo porque, diz o regime, não há dinheiro para tratar a água. Ou talvez a metáfora acabada seja Wanda Cleveland, de 61 anos, que na semana passada participava numa vigília em Sacramento, na Califórnia, por Stephon Clark, um afro-americano recentemente assassinado pela polícia. Em protesto, Wanda colocou-se diante de um carro da polícia. Ao contrário dos tanques diante do famoso homem com um saco de plástico na praça de Tiananmen, em Pequim, o carro da polícia acelerou e atropelou intencionalmente Wanda.

Durante uma semana, tentei, sem sucesso, obter declarações de Lakeith, através da família e da advogada. Na quarta-feira, finalmente, chegou a resposta: «agora não tenho nada a dizer. Falem comigo daqui a 65 anos». Às vezes só resta rir. Para não chorar.

 



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