Cegueira histórica
Há acontecimentos que são a delícia dos centros de produção ideológica do capitalismo e que dão asas aos que papagueiam o que aí se elabora. A «queda do muro de Berlim» é um deles, terreno fértil onde, com a impunidade dos que sabem que a mentira tem reconhecimento assegurado, se procura virar a história de pernas para o ar, manipular conceitos e falsificar factos. Terreno onde a alquimia ideológica dominante transforma o que de mais arcaico e conservador existe em resplandecente modernidade.
Um conhecido jornalista da Antena 1 não quis desperdiçar quinhão na narrativa anticomunista e no revisionismo histórico. Como deve acontecer em crónica que faça jus ao nome, não faltou o tom melodramático, o escorropichar de preconceituosos juízos ou o bornal de deturpações históricas, rematada com uma concludente asserção «começo da queda de um tempo da escuridão», que só não fica nos anais, malgrado a esforçada erudição posta no texto, porque a afirmação é em si mesmo um retumbante disparate.
Encandeado pelo anticomunismo, sob o qual se esconde o intuito mais reaccionário e antidemocrático, o cronista terá ambicionado, jogando com as palavras, situar a «escuridão» de um lado (o socialismo) e a luz de um outro (o idolatrado capitalismo), o tempo das trevas num e o iluminismo no outro. Cegueira esta que não deixa vislumbrar o que de essencial, objectivo e inelutável está inerente ao desenvolvimento social da humanidade. Fizesse um esforço e perceberia o que o iluminismo à época significou: a defesa da razão sobre a fé para entender e solucionar problemas da sociedade.
Por mais que o contrarie, a verdade é que o socialismo está para o capitalismo na mesma relação que o iluminismo burguês (com o que representou de advento do capitalismo) estava para o regime feudal. O «novo» e o «velho» estão por esta ordem. É o socialismo, e não o capitalismo por maior resistência que este revele para subsistir, que é o futuro da humanidade.