Bielorrússia, o que está em causa

Luís Carapinha

O PIB per ca­pita bi­e­lor­russo é su­pe­rior ao da Rússia e o dobro do da Ucrânia

Os pro­mo­tores da ten­ta­tiva de golpe de Es­tado na Bi­e­lor­rússia não de­sistem do ob­jec­tivo an­ti­po­pular de mu­dança de re­gime. Apesar da cada vez maior evi­dência que a Maidan bi­e­lor­russa tem a asa que­brada, pro­curam ainda pro­vocar um ponto de ebu­lição que abrisse portas ao ce­nário de der­ra­deiroas­salto, tão al­me­jado em Var­sóvia e Vil­nius, praças avan­çadas de uma ope­ração cujos fios con­du­tores levam in­va­ri­a­vel­mente aos EUA.

O ar­senal de ac­ções sub­ver­sivas é abun­dante e os vasos co­mu­ni­cantes com ou­tras ex­pe­ri­ên­cias de­ses­ta­bi­li­za­doras le­vadas a cabo pelo im­pe­ri­a­lismo não passam des­per­ce­bidos aos mais atentos. Por exemplo, as ame­aças de terror contra mem­bros das forças da ordem, jor­na­listas e fun­ci­o­ná­rios pú­blicos e go­ver­na­men­tais ins­piram-se no ex­po­ente má­ximo da me­to­do­logia que há menos de um ano depôs Evo Mo­rales na Bo­lívia. O guião do golpe san­grento da Maidan em Kiev per­ma­nece om­ni­pre­sente, mas a Bi­e­lor­rússia não é a Ucrânia, onde as mi­lí­cias ne­o­nazis mar­cham hoje nas ruas sob a au­réola do poder.

O im­pe­ri­a­lismo nunca se con­formou com a che­gada ao poder de Lu­ka­chenko, um out­sider eleito em 1994 com mais de 80 por cento dos votos e, grosso modo, nunca lhe re­co­nheceu le­gi­ti­mi­dade. Per­cebe-se porquê. Uma das re­pú­blicas fun­da­doras da URSS, a Bi­e­lor­rússia foi palco do acto final de des­man­te­la­mento da pá­tria so­vié­tica, através do in­cons­ti­tu­ci­onal acordo de Be­lovej ru­bri­cado por Iéltsin e os res­pon­sá­veis ucra­niano e bi­e­lor­russo. Con­tudo, o curso de as­salto à pro­pri­e­dade es­tatal e te­rapia de choque sob ju­ris­dição do FMI e dos gurus do ne­o­li­be­ra­lismo, de ca­la­mi­tosas con­sequên­cias so­ciais e po­lí­ticas, foi re­ver­tido com a mu­dança de poder de 1994.

A ban­deira er­guida pelos co­la­bo­ra­ci­o­nistas da ocu­pação nazi, re­posta após o final da URSS e que hoje é em­pu­nhada nas ma­ni­fes­ta­ções da opo­sição, foi subs­ti­tuída em re­fe­rendo pela ac­tual verde-rubra (com um apoio de 75 por cento). Aquilo que se afi­gu­rava uma missão im­pos­sível tornou-se re­a­li­dade na Bi­e­lor­rússia. No pe­ríodo mais agreste da cor­re­lação de forças mun­dial, ro­deada de um mar ca­pi­ta­lista, o pe­queno país co­nhe­cido como a «ofi­cina de mon­tagem» da URSS, lo­grou im­pedir a pri­va­ti­zação e des­truição dos prin­ci­pais sec­tores da eco­nomia, das co­o­pe­ra­tivas e ex­plo­ra­ções agrí­colas às grandes em­presas in­dus­triais. Nos sec­tores pro­du­tivos es­tra­té­gicos a pro­pri­e­dade pú­blica foi man­tida. Mo­der­nizou, a pulso, as ca­pa­ci­dades pro­du­tivas. Em con­sequência, o PIB per ca­pita bi­e­lor­russo é su­pe­rior ao da Rússia e o dobro do da Ucrânia. O nível de de­si­gual­dade so­cial do país é in­fe­rior ao de qual­quer um dos mem­bros da UE (Blo­om­berg, 27.11.2019).

No plano ge­o­po­lí­tico, os ob­jec­tivos do im­pe­ri­a­lismo na crise bi­e­lor­russa, coin­ci­dente com ma­no­bras hostis da NATO, são am­bi­ci­osos: es­va­ziar a so­be­rania e cortar as re­la­ções cru­ciais de Minsk com a Rússia e a China. Não é se­gredo que sec­tores po­de­rosos da classe do­mi­nante russa sempre abo­mi­naram o mo­delo bi­e­lor­russo, mas o Kremlin sabe que os custos para a se­gu­rança na­ci­onal da im­po­sição de uma real mu­dança de poder serão sempre muito ele­vados. Os de­sa­fios co­lo­cados à li­de­rança e povo bi­e­lor­russos são enormes. O tempo não pára e na nova bi­fur­cação da his­tória, a de­fesa da so­be­rania e da via do pro­gresso so­cial exigem o apro­fun­da­mento mul­ti­fa­ce­tado da de­mo­cracia e a or­ga­ni­zação e par­ti­ci­pação ac­tiva dos tra­ba­lha­dores bi­e­lor­russos.




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