RELIGIÕES Jorge Messias
«As
instituições sociais privadas fazem melhor e com menos custos
do que se fosse o Estado a fazê-lo directamente», afirmou Durão
Barroso citado pelo boletim «Ex», da Conferência Episcopal,
no seu número de 11.03.003. A afirmação do chefe do governo
CDS/PDS verificou-se após a assinatura de um acordo de grande significado
para o estreitamento da colaboração Estado/Acção
Social da igreja. Entre Governo e a CNIS (Confederação Nacional
das Instituições Sociais), a União das Misericórdias
e a União das Mutualidades, estabelece-se que no plano orçamental
o executivo «se compromete a actualizar os valores de comparticipação
por utente, para todos os equipamentos e serviços sociais em 2.75% o
que, no actual contexto, representa mais de 35 milhões de Euros».
No entanto, e apesar do volume da verba disponibilizada, o padre Crespo, actual
presidente da CNIS, apressou-se a comentar em entrevista concedida à
Ecclesia - agência da Conferência Episcopal - que o chamado Protocolo
2003 «é medida de indiscutível validade ainda que também
um compromisso de transição, porque não é o documento
que queríamos e de que precisamos». E o p. Crespo acrescentou,
ao abordar-se o significado de um dos protocolos sectoriais rubricados pelo
Governo e pelas IPSS (Programa de Cooperação para o Desenvolvimento
da Qualidade e Segurança das Respostas Sociais): «O Estado pretende
desenvolver e apoiar, em parceria com as IPSS, uma participação
activa nos factores de qualidade... o que, nas palavras de Durão Barroso,
significa uma aposta na qualidade que garanta aos cidadãos o acesso à
satisfação das respectivas necessidades». Francisco Crespo
emite depois comentários de grande interesse, sobretudo os que se referem
ao futuro da informação cruzada entre a Segurança Social
e as IPSS, aos programas de formação profissional e das oportunidades
de emprego oferecidas pelas instituições de solidariedade, à
atribuição de vencimentos justos (invocando o princípio
de salário igual para trabalho igual), e chama ainda a atenção
para o facto de que cada doente acamado nos hospitais públicos custa
ao Estado cerca de 200 euros/dia, enquanto que este só paga às
IPSS, em casos semelhantes, 285 euros por doente e por mês. Pergunta então
o p. Crespo: «Onde está a justiça social?». Independentemente
das condições económicas do país, todos estes problemas
terão de ser solucionados até 2006. Qualquer que seja o montante
das verbas a transferir do Orçamento do Estado. Estas declarações,
de grande interesse para o conjunto das IPSS (confessionais ou não) sugerem
uma outra questão de vulto: a de saber-se com que recursos humanos e
organizativos se propõe a igreja enfrentar as dificuldades com que o
seu projecto sóciocaritativo se virá certamente a confrontar.
E afinal, ao que parece, esta resposta encontra-se contida nos planos do chamado
desenvolvimento em rede, já em parte em fase operacional As IPSS são
apenas uma parcela de uma grande operação. Há um esquema
bem pensado que envolve todas as instituições da sociedade civil.
Nele, o Estado delega na sociedade importantes atribuições oficiais
(na segurança, ensino, saúde, família, emprego, etc.).
A par dessa delegação de poderes, o Governo garante à Igreja,
como principal agente civil (no âmbito da Concordata) os financiamentos
considerados proporcionais aos serviços prestados ou a prestar. Estabelece-se,
então, uma rede de instituições especializadas onde se
cruzam os serviços públicos de solidariedade e as organizações
da acção caritativa católica, naturalmente com o predomínio
destas últimas. Tal projecto (ver jornal «Público»,
8.3.002) tem sido amplamente debatido no âmbito das Questões de
Cidadania e envolve comunidades tão diferentes entre si como sejam as
universidades, as associações para o Desenvolvimento Local, as
Cáritas, as federações de cultura e desporto, os movimentos
apostólicos e contra a exclusão, as associações
de deficientes, as redes anti-pobreza, o voluntariado e as fundações,
etc. Está em causa uma nova repartição de poderes. Compete
ao Estado libertar-se da carga social. A Igreja ocupará essa área.
Por entre as brumas, o princípio fundamental das IPSS - o livre associativismo
laico - sairá fortemente combalido.
«Avante!» Nº 1530 - 27.Março.2003