Um direito constitucional

Saúde pública e para todos!

Miguel Inácio

As Co­mis­sões de Utentes da Saúde da Pe­nín­sula de Se­túbal re­a­li­zaram, na pas­sada se­mana, em Pal­mela, no Cine-Te­atro São João, um fórum sobre a «Efi­ci­ência e a Efi­cácia do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde» no dis­trito. Du­rante vá­rias horas, au­tarcas, mé­dicos e utentes con­taram a sua ex­pe­ri­ência de vida e des­mas­ca­raram as in­ten­ções do Go­verno de pri­va­tizar a saúde em Por­tugal.

As co­mis­sões de utentes fun­ci­onam como forma de ar­ti­cular e dar voz às pre­ten­sões le­gí­timas dos ci­da­dãos em ma­té­rias que dizem res­peito a di­reitos fun­da­men­tais re­co­nhe­cidos pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa.

O Se­cre­ta­riado das Co­mis­sões de Utentes da Pe­nín­sula de Se­túbal é cons­ti­tuído, ac­tu­al­mente, pelas co­mis­sões de Alhos Ve­dros, Alto do Sei­xa­linho, Amora, Ar­ren­tela, Ca­ci­lhas, Ca­pa­rica, Cas­telo, Cor­roios, Fernão Ferro, Paio Pires, Pi­nhal Novo, Quinta do Conde, Tra­faria e a Co­missão de Utentes do Hos­pital Garcia de Orta. Em fase de for­mação, mas já a fun­ci­onar, estão as co­mis­sões do Pragal, Ca­nhas, Praias do Sado e hos­pi­tais de S. Ber­nardo (Se­túbal) e N. Sra. do Ro­sário (Bar­reiro).

Estas co­mis­sões têm vindo a or­ga­nizar en­con­tros e de­bates com as po­pu­la­ções no sen­tido do seu es­cla­re­ci­mento e mo­bi­li­zação. Têm igual­mente reu­nido com en­ti­dades ofi­ciais, no­me­a­da­mente com as au­tar­quias, os cen­tros de saúde, o Go­ver­nador Civil de Se­túbal, a Ad­mi­nis­tração Re­gi­onal de Saúde (ARS), téc­nicos e grupos par­la­men­tares, para apre­sentar os pro­blemas sen­tidos pelos utentes e rei­vin­dicar a sua re­so­lução.

Foi através deste im­por­tante, mas di­fícil, tra­balho, que as Co­mis­sões de Utentes da Saúde re­a­li­zaram o seu pri­meiro Fórum sobre a Efi­ci­ência e a Efi­cácia do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde da Pe­nín­sula de Se­túbal.

«Re­a­li­zámos uma reu­nião com os res­pon­sá­veis da ARS e con­fir­mámos que a in­tenção do Go­verno PSD/​CDS-PP era de pro­ceder ao en­cer­ra­mento do Hos­pital em Alhos Ve­dros, não con­si­de­rando as exi­gên­cias da po­pu­lação para que o Ser­viço de Aten­di­mento Per­ma­nente (SAP) se man­tenha a fun­ci­onar 24 horas por dia», de­nun­ciou Fre­de­rico Ta­vares da Co­missão de Utentes do Hos­pital Con­ce­lhio em Alhos Ve­dros, du­rante o en­contro.

«Não bas­tava o en­cer­ra­mento das fá­bricas de con­fec­ções, que atirou para o de­sem­prego mi­lhares de tra­ba­lha­dores, como ainda nos pe­na­lizam com a re­ti­rada do único equi­pa­mento de saúde no nosso mu­ni­cípio», su­bli­nhou.


Uma si­tu­ação ter­ceiro-mun­dista


Sales Luís, em nome da Co­missão de Utentes da Saúde da Fre­guesia da Ar­ren­tela, des­creveu a his­tória e o re­sul­tado do seu tra­balho. «Re­a­li­zámos três ple­ná­rios com as po­pu­la­ções em Pi­nhal dos Frades, Torre da Ma­rinha e Casal do Marco. Ou­vimos as queixas e su­ges­tões da po­pu­lação. En­tre­tanto pen­samos pedir uma reu­nião com a di­rec­tora do Centro de Saúde do Seixal, onde apre­sen­ta­remos o re­sul­tado do nosso tra­balho para me­lhorar o fun­ci­o­na­mento nos cen­tros de saúde da fre­guesia da Ar­ren­tela.»

Sobre os re­sul­tados al­can­çados pela co­missão, Sales Luís des­tacou uma reu­nião com o pre­si­dente da Câ­mara Mu­ni­cipal do Seixal, «em que so­li­ci­támos a ce­dência de um ter­reno na sede da fre­guesia, para a cons­trução de uma ex­tensão de saúde, isto se o mi­nis­tério dis­po­ni­bi­lizar as verbas».

Por seu lado, a Co­missão de Utentes da Saúde de Ca­ci­lhas no­meou os prin­ci­pais pro­blemas da fre­guesia, entre os quais se des­tacam a au­sência de uma ex­tensão do centro de saúde, a ca­rência de mé­dicos de fa­mília, a falta de ce­le­ri­dade nos pro­cessos ad­mi­nis­tra­tivos (mar­cação de con­sultas, atri­buição de se­nhas, etc.) e o tra­ta­mento de­su­mano no aten­di­mento mé­dico/​ad­mi­nis­tra­tivo.

«Ob­ser­vámos as di­fi­cul­dades sen­tidas pelos utentes no Centro de Saúde de Al­mada e cons­ta­támos que muitas pes­soas estão em pé e ao frio, desde muito cedo, numa si­tu­ação ter­ceiro-mun­dista», alertou a co­missão de utentes, su­bli­nhando que «este facto liga-se, so­bre­tudo, à mar­cação de con­sultas da es­pe­ci­a­li­dade, para as quais há pes­soas que chegam a es­perar meses a fio».

Para além das ques­tões do centro de saúde, os utentes de Ca­ci­lhas, tal como as po­pu­la­ções do con­celho de Al­mada, Seixal e Se­simbra, estão ob­vi­a­mente su­jeitos aos pro­blemas de fi­nan­ci­a­mento do Hos­pital Garcia de Orta, no­me­a­da­mente no que diz res­peito ao ex­cesso de po­pu­lação que a ele re­corre e às res­pec­tivas aces­si­bi­li­dades. «Mais uma vez re­cor­damos que este hos­pital, ini­ci­al­mente pen­sado para uma po­pu­lação de 150 mil ha­bi­tantes, serve hoje mais do dobro», lem­braram.


Querem des­truir o SNS!


Sobre a reu­nião com o mi­nistro da Saúde, con­vo­cada pela au­tar­quia do Seixal, onde es­teve pre­sente a Co­missão de Utentes da Saúde do Con­celho, os par­ti­ci­pantes foram in­for­mados de que nada iria ser feito no dis­trito de Se­túbal. «Nos anos mais pró­ximos, se­gundo o mi­nistro, não está pre­visto um novo hos­pital no con­celho, nem mesmo no dis­trito de Se­túbal. Em re­lação às ou­tras rei­vin­di­ca­ções, no­me­a­da­mente as ex­ten­sões de saúde, mé­dicos, en­fer­meiros e pes­soal ad­mi­nis­tra­tivo, nada foi adi­an­tado», alertou o membro da co­missão.

Au­gusto Ro­dri­gues, utente do SNS, de­nun­ciou a exis­tência de utentes de pri­meira e de se­gunda. «Os de se­gunda são os que vão para os cen­tros de saúde às quatro da manhã, os ou­tros têm di­nheiro para pagar as con­sultas no par­ti­cular». Bas­tante emo­ci­o­nado, o utente per­guntou ainda: «Se eu hoje es­tiver do­ente, como é que posso estar mais de 15 dias sem uma con­sulta?»

Maria da Graça Mas­ca­re­nhas Pessoa, da As­sem­bleia Mu­ni­cipal de Al­mada, su­bli­nhou, na sua in­ter­venção, que «o Go­verno apre­senta ob­jec­tivos claros e uma es­tra­tégia ten­dente a frag­mentar o SNS e atri­buir a gestão de ins­ti­tui­ções e ser­viços ao sector pri­vado, o que in­dicia in­ten­ções de pri­va­tizar a saúde dos por­tu­gueses».

Contra a pri­va­ti­zação dos Ser­viços Pú­blicos de Saúde, «de­fen­demos a ne­ces­si­dade de de­fi­nição da fron­teira entre o ser­viço pú­blico e pri­vado de saúde, a ra­ci­o­na­li­zação e pleno apro­vei­ta­mento dos re­cursos hu­manos e dos equi­pa­mentos ins­ta­lados», afirmou a au­tarca, des­ta­cando que as as­pi­ra­ções das po­pu­la­ções vão no sen­tido de um SNS «uni­versal, geral e gra­tuito - grande con­quista do 25 de Abril - aces­sível a todos, re­or­ga­ni­zado, mo­derno e com mais ele­vados pa­drões de saúde».


A pri­va­ti­zação da saúde


«A isto res­ponde o Es­tado com ini­ci­a­tivas que tentam fazer crer es­tarem os nossos pro­blemas em vias de so­lução. São os cen­tros de saúde ge­ridos por pes­soas de fora do sis­tema de saúde, são os pro­fis­si­o­nais obri­gados a des­pa­char os do­entes à peça, de acordo com os ob­jec­tivos fi­xados se­gundo um cri­tério de quan­ti­dade e não de qua­li­dade», de­nun­ciou Elsa Dias, do Se­cre­ta­riado das Co­mis­sões de Utentes.

«As anun­ci­adas al­te­ra­ções para este sector e a aber­tura aos in­te­resses pri­vados irão re­sultar no de­sar­ti­cular da rede pú­blica de cui­dados de saúde pri­mária. Ou seja, pri­va­ti­zando as uni­dades lu­cra­tivas, o Es­tado irá ficar com tudo o que não der lucro, pa­gando assim duas vezes os cui­dados de saúde a que de­ve­ríamos ter di­reito», disse.

Está desta forma em causa, cada vez mais, o acesso uni­versal e ten­den­ci­al­mente gra­tuito dos utentes à saúde. «A aber­tura cres­cente de es­paços para grupos eco­nó­micos pri­vados, des­guar­nece o di­reito à saúde a que todos temos di­reito», con­cluiu a utentes.

No fórum os mé­dicos também ti­veram pa­lavra. Jo­a­quim Judas, um dos pro­fis­si­o­nais que in­ter­veio, fez uma aná­lise do es­tado da saúde na Pe­nín­sula de Se­túbal e de­nun­ciou os pro­blemas com que se de­param os mé­dicos e os utentes.

Luís Car­doso, do PCP, também es­teve pre­sente no en­contro e, des­tacou os «in­te­resse imo­bi­liá­rios na cons­trução, nou­tros pontos do País, de novas uni­dades hos­pi­ta­lares, fo­men­tada pelos go­vernos PS, PSD/​PP». Sobre os pro­fis­si­o­nais da saúde e a trans­for­mação dos hos­pi­tais em so­ci­e­dades anó­nimas, alertou para o facto de que esta si­tu­ação vai al­terar a pres­tação dos mé­dicos, assim como a aten­di­mento ao pú­blico. «A con­tra­dição não está entre os utentes e os pro­fis­si­o­nais, mas sim nos in­te­resses eco­nó­micos que estão em campo».

No final da sua in­ter­venção Luís Car­doso, en­co­rajou as Co­mis­sões de Utentes da Saúde e pro­meteu o apoio do PCP na As­sem­bleia da Re­pú­blica na de­fesa dos seus in­te­resses.


As rei­vin­di­ca­ções dos utentes


- Um Ser­viço Na­ci­onal de Saúde Pú­blico, mais efi­ci­ente, e eficaz, uni­versal e ten­den­ci­o­nal­mente gra­tuito;

- Ne­ces­si­dade de uma rede in­te­grada de cen­tros de saúde para toda a Pe­nín­sula;

- As­se­gurar a ma­nu­tenção ou subs­ti­tuição de ou­tras ins­ta­la­ções e dotá-las de equi­pa­mentos que per­mitem efec­tuar meios au­xi­li­ares de di­ag­nós­tico;

- Cons­trução de novas uni­dades hos­pi­ta­lares pú­blicas no con­celho do Seixal e no eixo Mon­tijo/ Al­co­chete;

- Cen­tros de saúde ou ex­ten­sões de saúde, no­me­a­da­mente nas se­guintes lo­ca­li­dades: Ca­ci­lhas, Monte Ca­pa­rica, Mi­ra­tejo, Vale Mi­lhaços, Cruz de Pau, Foros de Amora, Ar­ren­tela, Paio Pires, Pi­nhal Novo, Sa­ri­lhos Grandes e Quinta do Conde;

- Cons­trução de uni­dades hos­pi­ta­lares pú­blicas de re­ta­guarda. Obras no hos­pital do Bar­reiro, re­cu­pe­ração do hos­pital con­ce­lhio de Alhos Ve­dros;

- Dotar os ser­viços de saúde com mais mé­dicos de me­di­cina geral, fa­mi­liar e es­pe­ci­a­listas, assim como de mais pes­soal de en­fer­magem e ad­mi­nis­tra­tivos;

- In­te­gração da es­pe­ci­a­li­dade de es­to­ma­to­logia no Ser­viço Na­ci­onal de Saúde;

- Me­lhorar a or­ga­ni­zação ad­mi­nis­tra­tiva e aten­di­mento e pro­curar a im­plan­tação de ho­rá­rios que per­mitam um me­lhor ser­viço aos utentes, no­me­a­da­mente aos tra­ba­lha­dores;

- De­fender um pro­grama ac­tivo de di­vul­gação dos me­di­ca­mentos ge­né­ricos que se tra­duza em eco­nomia para os utentes e Es­tado;

- Aten­dendo aos poucos re­cursos ma­te­riais da mai­oria dos re­for­mados e pen­si­o­nistas, de­fender o prin­cipio da gra­tui­ti­dade dos me­di­ca­mentos a todos os do­entes cró­nicos;

- Re­forçar os ser­viços do­mi­ci­liá­rios;

- Cri­ação de uma Es­cola Pú­blica de Saúde na Pe­nín­sula de Se­túbal;

- Ne­ces­si­dade de uma rede de Cen­tros de Apoio à To­xi­co­de­pen­dência e res­pec­tivas fa­mí­lias;

- Re­cusar qual­quer ten­ta­tiva para a de­sar­ti­cu­lação do Ser­viço Na­ci­onal de Saúde, trans­for­mando a saúde num ne­gócio.



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