Comentário

Nações e oportunidades

Natacha Amaro

A pro­pó­sito do pró­ximo con­gresso de um dos par­tidos da co­li­gação no poder, o mi­nistro da De­fesa e líder do CDS-PP deu o pon­tapé de saída para as elei­ções eu­ro­peias de 2004. Fi­cámos, então, a saber da sua in­tenção de propor aos mi­li­tantes do seu par­tido uma moção que de­fende a co­li­gação com o PSD para a Eu­ropa. A pro­posta seria óbvia e en­ca­rada de forma na­tural, não fosse o facto de estas elei­ções se re­por­tarem a um âm­bito po­lí­tico em que as to­madas de po­sição de um e outro par­tido sempre se pau­taram por di­fe­renças as­si­na­lá­veis.

O mi­nistro ad­junto da Pre­si­dência viria mesmo a con­si­derar, a este pro­pó­sito, que a Eu­ropa é um ele­mento de con­ver­gência entre os lí­deres dos dois par­tidos no Go­verno. E esta sim, é uma grande no­vi­dade. Pelo per­curso e to­madas de po­sição destas duas forças po­lí­ticas no Par­la­mento Eu­ropeu (PE), ra­pi­da­mente se tornou per­cep­tível, após as elei­ções le­gis­la­tivas, que a Eu­ropa seria uma das grandes pe­dras no sa­pato da co­li­gação no Go­verno.


Eu­ro­peias 1999


Após as úl­timas elei­ções para o PE, em Junho de 1999, os de­pu­tados do CDS-PP in­te­graram o Grupo União para a Eu­ropa das Na­ções (UEN) e os de­pu­tados eleitos pelo PSD jun­taram-se ao Par­tido Po­pular Eu­ropeu (PPE), man­tendo até hoje esta «ar­ru­mação». O UEN de­fende, na sua Carta Po­lí­tica, «uma Eu­ropa fun­dada na li­ber­dade de de­cisão das Na­ções e não uma Eu­ropa fe­deral que sub­ju­garia as so­be­ra­nias na­ci­o­nais e des­truiria as iden­ti­dades dos povos eu­ro­peus». Quanto ao PPE, o seu ma­ni­festo elei­toral de 1999 – elu­ci­da­ti­va­mente cha­mado de «A Eu­ropa das Opor­tu­ni­dades» - foca as­pectos como o «grande passo re­la­ti­va­mente à in­te­gração eu­ro­peia», «de­vemos ac­tuar como uma só en­ti­dade» ou «par­tidos eu­ro­peus fortes e im­por­tantes».

Po­de­riam ser apenas abor­da­gens teó­rico-po­lí­ticas di­fe­rentes (como o fe­de­ra­lismo ou a so­be­rania dos Es­tados) mas sem grandes di­fe­renças prá­ticas. Ou seja, não seria a pri­meira vez que par­tidos com li­nhas po­lí­ticas di­versas ca­mi­nha­riam no mesmo sen­tido na hora das vo­ta­ções, apoi­a­riam as mesmas pro­postas e es­que­ce­riam igual­mente com­pro­missos as­su­midos e de­fen­didos em cam­panha. No en­tanto, não foi exac­ta­mente esta a prá­tica dos dois par­tidos, agora tão con­ver­gentes na cena po­lí­tica na­ci­onal, ao longo destes quase quatro anos de le­gis­la­tura no PE. Va­ri­ados exem­plos po­de­riam ser apon­tados, como a re­acção dos de­pu­tados cen­tristas à pro­posta de re­so­lução do PE para a Con­fe­rência In­ter­go­ver­na­mental, dis­cu­tida em Abril de 2000, clas­si­fi­cando-a de «de­mons­tração mais cabal de como a ob­sessão fe­de­ra­lista pode vir a mer­gu­lhar a UE numa crise sem pre­ce­dentes». Ou a dis­cussão sobre o Tra­tado de Nice e o fu­turo da UE, em Maio de 2001, em que os de­pu­tados so­ciais-de­mo­cratas por­tu­gueses se abs­ti­veram en­quanto os seus agora co­legas de co­li­gação vo­taram contra a re­so­lução apre­sen­tada. Ou ainda de­cla­ra­ções, de Ou­tubro de 2001, sobre o Pacto de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento, em que o PSD e o PS afas­tavam qual­quer pos­si­bi­li­dade de al­te­ração ao Pacto en­quanto que o CDS-PP de­fendia uma lei­tura «mais fle­xível» do mesmo.


Con­tra­di­ções


A di­fe­rença entre a Eu­ropa das Na­ções, em que se in­tegra o CDS-PP, e a Eu­ropa das Opor­tu­ni­dades, de­fen­dida pelos eu­ro­de­pu­tados so­ciais-de­mo­cratas, não é a questão ful­cral aqui. As di­fe­renças entre as pro­postas dos par­tidos po­lí­ticos foram am­pla­mente de­ba­tidas nas elei­ções de 1999 e a cam­panha das eu­ro­peias em 2004 abrirá o es­paço ne­ces­sário à ava­li­ação do tra­balho re­a­li­zado pelos eu­ro­de­pu­tados por­tu­gueses e à apre­sen­tação das li­nhas de tra­balho dos par­tidos para a se­guinte le­gis­la­tura. Neste mo­mento, a dú­vida que per­siste tem a ver com a con­tra­dição da po­sição as­su­mida, a nível na­ci­onal, e a pos­tura adop­tada no ce­nário eu­ropeu. Como é que a Eu­ropa como o tal «ele­mento de con­ver­gência» entre CDS-PP e PSD se com­pa­dece com o com­bate po­lí­tico tra­vado entre dois grupos po­lí­ticos eu­ro­peus que de­fendem al­gumas po­si­ções di­a­me­tral­mente opostas?

Con­si­de­rando a evo­lução po­lí­tica, eco­nó­mica e so­cial do mundo em que vi­vemos, é obri­ga­tória a cons­tante re­flexão das forças po­lí­ticas sobre o que nos ro­deia, e não se ex­clui a pos­si­bi­li­dade de os par­tidos po­lí­ticos, após essa re­flexão, al­te­rarem a sua opi­nião sobre de­ter­mi­nadas ma­té­rias. Neste caso, o CDS-PP pa­rece ter al­te­rado o seu rumo, re­la­ti­va­mente ao que quer para a União Eu­ro­peia, ao pre­tender aliar-se ao PSD. Mas, então, se ocorreu essa mu­dança, como jus­ti­ficar que a sua si­tu­ação se man­tenha inal­te­rada no PE? Talvez a res­posta seja se­me­lhante à dada por um de­pu­tado do CDS-PP na As­sem­bleia da Re­pú­blica quando con­fron­tado com a pos­si­bi­li­dade de um eu­ro­de­pu­tado do UEN se des­locar ao Iraque: «com o mal dos ou­tros posso eu bem!». Apa­ren­te­mente, os prin­cí­pios em que se ba­seia o grupo eu­ropeu que re­pre­sentam são «males» com que a co­li­gação pode bem. Entre Eu­ropa das Na­ções e a das Opor­tu­ni­dades, o CDS-PP fez a sua opção.



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