O imperialismo existe

Domingos Abrantes (Membro da Comissão Política)

A ameaça de guerra imperialista contra o Iraque persiste apesar da grandiosidade do protesto mundial contra a aventura belicista norte-americana.

Revelando o mais completo desprezo pela vontade dos povos, ameaçando aliados seus e organismos internacionais, como a ONU, por não se ajoelharem perante a vontade imperial, os Estados Unidos dão mostras de uma crescente arrogância.

Para fazer crer que a guerra é determinada pela necessidade de combater o terrorismo, de pôr fim a uma ameaça à paz mundial representada por Saddam e de restituir a liberdade e a democracia ao povo do Iraque, foi montada uma gigantesca operação para falsificar a verdade. A previsível morte de centenas de milhares de pessoas, as destruições materiais gigantescas que a guerra implicará são uma bagatela, se comparadas com tão nobres ideais libertadores.

Mas quando e onde é que os Estados Unidos se preocuparam com regimes ditatoriais, sabendo-se que registam no seu historial o derrube de vários regimes democráticos, que sustentaram e sustentam ditaduras sanguinárias?

Os Estados Unidos, o país que possui os maiores arsenais de destruição maciça, o único estado que até hoje recorreu ao uso de armas atómicas, que usou em grande escala armas químicas e biológicas no Vietname, considera um escândalo e um perigo a posse de armas de destruição maciça pelo Iraque, algumas das quais fornecidas por eles próprios.

Suprema hipocrisia é a exigência de se aplicar um correctivo militar ao Iraque por não cumprir uma Resolução da ONU, sendo sabido que os Estados Unidos se recusam a cumprir leis e tratados internacionais, que ameaçam mandar a ONU para o caixote do lixo da História e que Israel, com o suporte da América, há longos anos se recusa a cumprir todas as resoluções da ONU.

Que o terrorismo se tornou uma ameaça séria e grave, é um facto indesmentível. Mas não são os Estados Unidos quem mais tem recorrido ao terrorismo de Estado, financiando, armando e treinando grupos terroristas, incluindo Bin Laden, personagem que tem a marca «made in América», e considerado um herói quando punha a ferro e fogo o Afeganistão, e um bandido quando quebrou a lealdade para com o progenitor?

E que outro Estado que não a América tem movido guerras de agressão a dezenas e dezenas de países, situados a milhares e milhares de quilómetros das suas fronteiras?

EUA sem legitimidade

Os Estados Unidos não têm legitimidade legal nem moral para atacar o Iraque. Os seus planos belicistas não são o resultado de uma suposta deriva nas orientações da política externa.

Para a verdadeira compreensão da guerra contra o Iraque é indispensável não se perder de vista que a guerra é inerente à natureza do imperialismo e que os seus objectivos de dominação mundial só se alcançam pelo recurso à guerra.

Nas motivações para a agressão ao Iraque pesam a crise económica americana, o objectivo de vir a dominar as principais fontes do petróleo, objectivo reforçado pelas ligações directas da administração americana aos negócios do petróleo, mas pesa sobretudo a necessidade dos Estados Unidos darem novos passos na concretização da estratégia imperialista de domínio mundial, determinada pelas alterações na correlação de forças resultante da liquidação da União Soviética e da paridade estratégica no plano militar então existente. Estratégia que foi teorizada e consagrada na Cimeira da NATO de Washington, realizada em Abril de 1999 e que basicamente se pode resumir ao seguinte: a NATO, de organização dita defensiva, assumiu-se como organização militar ofensiva, reivindicando o direito a intervir em qualquer parte do mundo, com ou sem acordo da ONU, organização a que foi atribuído um papel meramente supletivo da estratégia NATO/Estados Unidos e com condição de não obstaculizar à concretização dos seus objectivos.

A agressão ao Iraque, como o fora a agressão à Jugoslávia, é considerada como mais um passo necessário à criação, de facto, da nova ordem internacional de domínio imperialista.

Lutar para travar e derrotar os planos imperialistas, para além da necessária e obrigatória solidariedade para com o povo iraquiano, deve igualmente ser encarada como uma forma de defender o direito dos povos à liberdade, à soberania e a decidirem dos seus próprios destinos.

O poder do imperialismo americano assenta naturalmente nos instrumentos de coerção económica, política e militar de que dispõe mas não é displicente o apoio de governos serventuários, uns por compra directa, outros pela esperança de poderem vir a sentar-se à mesa da espoliação do Iraque.

O apoio do Governo Português à agressão americana, em flagrante violação da Constituição, é um insulto ao Portugal de Abril.

O facto de Portugal ser governado por uma ditadura fascista, não constituiu obstáculo a que tivesse sido membro fundador da NATO ou que tivesse constrangido os americanos.

A Revolução de Abril abriu uma nova era nas relações de Portugal com o mundo e, ainda hoje, a Constituição da República consagra que Portugal se rege, nas relações internacionais, pelos princípios da independência nacional, da solução pacifica dos conflitos internacionais e da não ingerência nos assuntos dos outros Estados.

O apoio do Governo PSD/CDS à agressão americana reflecte, no plano externo, o rumo reaccionário da sua política interna e o desfiguramento do regime democrático. A luta contra a guerra é também uma luta contra a política reaccionária e antinacional do governo actual.



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