O modelo dos baixos valores
Outra vez no Prós e Contras a produtividade laboral, a inovação, a formação, a gestão das empresas, enfim a competitividade económica neste nosso mundo. Desta feita pela mão do pretender-se apurar se a política económica seria a culpada da imensa crise social - bem ilustrada através de uma temível (a mais temível que há na nossa memória?) espiral de desemprego - com que o País e o povo se vêem a braços neste Inverno de 2002-2003. Um debate a efectuar-se sobre o pano de fundo do «modelo de competitividade da nossa economia». Uma questão a fazer agora o seu inevitável caminho nos media. E, portanto, também na sociedade?
Pois é. O debate sobre os possíveis contributos conjunturais da política económica do Governo para a desgraça social «de momento» a escorregar [parece que] irresistivelmente para as questões estruturais. Isto enquanto, através de mensagens SMS, o «público», o «povo», a pronunciar-se supermaioritariamente (vejam lá a grande novidade!) contra quaisquer impactos sociais negativos por parte da política económica. Elisa Ferreira bem podia ir-se insurgindo e bem podia ir apresentando os números e os factos decorrentes dos malefícios decorrentes do pessimismo tanguista (da tanga, segundo o PM) propagandeado pelo Governo.
Com efeito, um modelo esgotado, o modelo dos baixos salários sustentados no princípio de que se a força de trabalho for suficientemente barata, isto é, mais barata do que os investimentos em inovação de processo exigindo outras tecnologias, fica-se, podendo-se, por processos tão mão-de-obra «intensiva» quanto possível - afinal de contas, sendo a percentagem de trabalho vivo elevada sempre se poderá extrair mais mais-valias. Uma extracção de mais valia elevada em termos percentuais, mas baixa em termos absolutos visto, nestes casos, serem em geral baixos os salários, bem como são baixas as quantidades de valor produzidas.
Ou, tendo de ser o processo de produção mais tecnologicamente mais avançado, e, portanto, sendo o processo mais capital «intensivo» - o desarme aduaneiro a isso foi obrigando, pois, anote-se, nem o mercado nacional está imune a tais movimentos -, procura-se pelo menos assegurar a possibilidade de ir fabricando por cá coisas através de empreendimentos sujeitos a intensa concorrência internacional, designadamente em custos de mão de obra. E é como um jogo. O centro da multinacional respectiva faz as suas contas e, encontrando, um sítio mais favorável, desloca para lá a produção, como já antes tinha deslocado para cá. Simples.
Deve ser dito que, nestes casos, tais unidades de fabrico são os «elos mais fracos» dessas multinacionais, em termos de cadeias de valor. «Elos mais fracos», mas indispensáveis. De facto, um grupo empresarial multinacional disporá dos seus desenhadores de produtos e dos seus projectistas e desenvolvedores de processos de produção, das suas redes comerciais e das suas bases financeiras. E, para além de todo este conglomerado de funções criadoras e realizadoras de valores elevados, tem o grupo de dispor, à sua discrição, de unidades que produzam directamente os produtos segundo as directivas dimanadas pelo centro.
(Normalmente esquece-se que tais mecanismos de deslocalização não funcionam só assim para todas as classes de produtos. Isto é, aqueles funcionam melhor para a produção de bens que podem ser fabricados num local qualquer, excepção feita a casos como, por exemplo, os vinhos, que estarão muito dependentes do sítio onde são produzidos. Mas geralmente a deslocalização não funciona de forma assim tão directa para os serviços, nomeadamente na sua usufruição, como é caso das telecomunicações: o telefonador, o utilizador de e-mail, o navegador na web, actuam de onde estão, regra geral no país onde vivem.)
E, enquanto não se quiser considerar a sério esta nossa posição - a posição de dominado do «nosso sistema económico» na cadeia da divisão de trabalho -, nada feito. Nesse sentido, nesse mesmo programa, afirmava, interpelando-nos a todos, Bernardino Soares, ao referir que, mesmo existindo uma quantidade de licenciados em Portugal inferior às dos outros países nossos parceiros, não os estamos a conseguir empregar, quanto mais - exprimo-o eu, porque estava subentendido - a conseguir empregá-los da forma mais proveitosa para eles e para todos nós. Presos por não terem e presos por terem formação, os portugueses. Ou estarei errado?
O resto… são desgraçadamente os debates acerca da lã das cabras, próprios das «elites» empresariais e políticas deste nosso Portugal dos pequeninos, como escrevia noutro dia, com lucidez, o Vasco Pulido Valente.