Diplomacia de supermercado

Jorge Cordeiro

Se me­lhor prova não hou­vesse da in­dis­far­çavel ar­ro­gância e ili­mi­tada im­pu­ni­dade que a Ad­mi­nis­tração Ame­ri­cana pa­ten­teia, bas­taria atender à úl­timas de­cla­ra­ções dos seus res­pon­sá­veis sobre as Na­ções Unidas e as suas re­so­lu­ções. Se­gu­ra­mente com a con­fi­ança de que tudo pode com­prar e não poucos se dis­põem a vender, Bush anun­ciou que «as Na­ções Unidas vão es­ta­be­lecer de forma clara e sim­ples que o Iraque não está a cum­prir as exi­gên­cias im­postas» adi­an­tando desde logo, em jeito de aviso, que esta seria a «úl­tima opor­tu­ni­dade da ONU para provar a sua re­le­vância nesta crise». Mais claro não se pode ser. Bush não só já de­cidiu o que devem as Na­ções Unidas aprovar como de­cretou que se dele ou­sarem dis­cordar serão re­du­zidas à in­sig­ni­fi­cância que para ele re­pre­sentam. Talvez o que mais sur­pre­enda seja, não tanto, as de­cla­ra­ções de Bush mas o si­lêncio dos mais altos res­pon­sá­veis das Na­ções Unidas pe­rante tão de­sas­som­brado ul­ti­mato de um dos seus Es­tados Mem­bros. Pelo meio fi­carão, mais que não seja para en­con­trar su­porte em al­guns apoios que salvem a apa­rência, umas quantas di­li­gên­cias de di­plo­macia mer­cantil des­ti­nadas a pro­curar com­prar em al­guns países o nú­mero de votos ne­ces­sá­rios à apro­vação da re­so­lução que já de­ci­diram querer ver apro­vada; a con­ti­nuada ten­ta­tiva de in­to­xi­cação da opi­nião pú­blica a partir do papel que, um pouco por todo o mundo, al­guns edi­to­ri­a­listas de ser­viço se dis­põem cum­prir em res­posta ao apelo da voz do dono; as es­cla­re­ce­doras e re­le­vantes te­o­ri­za­ções sobre o valor su­premo da le­gi­ti­mi­dade elei­toral dos go­vernos pe­rante a in­dis­far­çavel cor­rente hu­mana que tem en­chido praças e ruas para jus­ti­ficar as po­si­ções dos go­ver­nantes par­ti­dá­rios da guerra.

A voz de mi­lhões de ho­mens e mu­lheres que em todo o mundo se in­dignam e opõem pe­rante a sombra de uma guerra imi­nente po­derá, com larga pro­ba­bi­li­dade, não ser su­fi­ci­ente para im­pedir o que uni­la­te­ral­mente o im­pe­ri­a­lismo norte ame­ri­cano, e a corte de de­pen­dentes que atrás de si se ar­rasta, já de­cidiu. Mesmo que assim seja, o ex­pres­sivo mo­vi­mento em de­fesa da paz e contra a agressão ao Iraque, que nos úl­timos meses se afirmou por todos os con­ti­nentes, não dei­xará de cons­ti­tuir sem dú­vida uma im­por­tante aqui­sição po­lí­tica neste inicio de mi­lénio. Par­ti­cu­lar­mente se no seu seio se afirmar e de­sen­volver a cons­ci­ência de que à raíz desta agressão, e de ou­tras que a má­quina de guerra se pre­para para agendar, está in­dis­so­lu­vel­mente as­so­ciada a na­tu­reza vi­o­lenta do im­pe­ri­a­lismo, sem a eli­mi­nação do qual não ha­verá es­paço para a cons­trução de mundo com paz e jus­tiça. Sob pena de mi­lhões sen­tirem frus­trada a ex­pressão da sua in­dig­nação e de se per­pe­tu­arem as con­di­ções de so­bre­vi­vência de uma po­lí­tica mun­dial co­man­dada pelo ob­jec­tivo de as­se­gurar pela vi­o­lência a pre­va­lência dos seus in­te­resses de do­mi­nação eco­nó­mica.



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