50 anos é pouco tempo, pouco tempo...

Francisco Silva

Fez re­cen­te­mente 50 anos que foi des­co­berta - em 28 de Fe­ve­reiro de 1953 - a es­tru­tura de uma das mais fa­mosas mo­lé­culas co­nhe­cidas, senão a mais fa­mosa de todas elas, a cha­mada mo­lé­cula da Vida, o DNA, De­o­xi­ri­bose Nu­cleic Acid - em por­tu­guês, ADN, ácido de­so­xir­ri­bo­nu­cleico(1) -, mais a sua dupla hé­lice!, por parte de James Watson e Francis Crick. Uma des­co­berta tri­bu­tária, não só destes dois ci­en­tistas, mas de toda uma con­ver­gência de es­forços, os quais, em passos an­te­ri­ores ou pa­ra­lelos ou ainda em co­la­bo­ra­ções, en­vol­veram nomes tão in­con­tor­ná­veis como Oswald T. Avery, Ro­sa­lind Fran­klin, Linus Pau­ling ou Mau­rice Wil­kins.

A mo­lé­cula de ADN foi des­co­berta pelo quí­mico suíço Johannes Mi­es­cher vai já para sé­culo e meio. Con­se­guiu-o através de uma amostra de es­per­ma­to­zóides de sal­mões. Pouco mais tarde foram iden­ti­fi­cados nos nú­cleos das cé­lulas os cro­mos­somas e, a breve trecho, es­cla­re­cido o seu papel na he­re­di­ta­ri­e­dade. Em 1944, Oswald T. Avery de­mons­trou a trans­missão de ca­rac­te­rís­ticas através da trans­fe­rência de ADN de uns pneu­mo­cocos (mi­cró­bios) para ou­tros. No en­tanto, o papel ge­né­tico do ADN, re­fere o pró­prio James Watson(2), ainda não era cla­ra­mente um ponto as­sente por al­tura do início da sua co­la­bo­ração com Francis Crick…

Mas foi num am­bi­ente de con­so­li­dação de re­co­nhe­ci­mento do papel do ADN, em de­tri­mento de mo­lé­culas como as pro­teínas, até então jul­gadas como os mais pro­vá­veis de­po­si­tá­rios da he­re­di­ta­ri­e­dade, que uma mo­lé­cula até então con­si­de­rada não in­te­res­sante - talvez, sim, uma es­tru­tura de su­porte para o pró­prio ma­te­rial ge­né­tico - passou para o pri­meiro plano do palco da Bi­o­logia. En­tre­tanto, Linus Pau­ling propôs um mo­delo mas de três ca­deias en­tre­la­çadas. Pelo seu lado, Ro­sa­lind Fran­klin tendo, em pa­ra­lelo, vis­lum­brado as duas hastes fos­fó­ricas como um «exo­es­que­leto» do ADN, foi com­ba­tendo com rigor a acei­tação pouco jus­ti­fi­cada da «in­tuição» he­li­coidal…

A forma como se en­rola - a sua dis­po­sição es­pa­cial - em hé­lice a mo­lé­cula de ADN foi uma in­tuição, in­tuição pre­co­ce­mente adop­tada por Watson e Crick, mas não, como se viu por Ro­sa­lind Fran­klin. Uma in­tuição se­gu­ra­mente es­ti­mu­lada pelos tra­ba­lhos de Pau­ling. Com efeito, este tinha ini­ci­al­mente des­co­berto que o tipo de em hé­lice pró­prio de certas pro­teínas e, pos­te­ri­or­mente, pro­pu­sera para a mo­lé­cula do ADN o já re­fe­rido mo­delo de três ca­deias en­tre­la­çadas em hé­lice. Aliás, o enorme pres­tígio ci­en­tí­fico de Pau­ling, que viria a re­ceber o Prémio Nobel da Quí­mica em 1954 pelo seu tra­balho na área das li­ga­ções quí­micas, jus­ti­fi­cava-o…

(Linus Pau­ling, um ci­dadão exem­plar e de rara co­ragem cí­vica, ficou também muito co­nhe­cido pelo sua ac­ti­vi­dade cí­vica a favor da Paz e da co­e­xis­tência pa­cí­fica du­rante uma das fases mais agudas da Guerra Fria. O pró­prio Watson conta-nos no seu livro «A Dupla Hé­lice» como o go­verno ame­ri­cano o tra­tava e como in­clu­si­va­mente o im­pediu de deixar os EUA para par­ti­cipar em Lon­dres numa Con­fe­rência sobre a es­tru­tura das pro­teínas, pro­mo­vida pela Royal So­ciety. Pau­ling re­cebeu mesmo o Prémio Nobel da Paz em 1962, oito anos após ter re­ce­bido o Prémio Nobel da Quí­mica. Uma proeza nunca igua­lada no do­mínio dos Pré­mios Nobel!)

(Outro pa­rên­tesis ainda para ajudar a si­tuar a acção da des­co­berta da es­tru­tura da mo­lé­cula da ADN. Este vi­rado para a ci­en­tista Ro­sa­lind Fran­klin. Esta, exac­ta­mente por ser mu­lher era en­ca­rada com olhos du­ra­mente ma­chistas, como mostra Watson através do am­bi­ente exis­tente, e também por ele adop­tado, ao longo seu re­fe­rido e fa­moso livro. Nada de es­pantar numa Uni­ver­si­dade com as tra­di­ções de Cam­bridge, onde o ame­ri­cano Watson ater­rara. Aliás, parte do livro são os pro­blemas ha­vidos entre Mau­rice Wil­kins - que, com Watson e Crick, ga­nhou o Nobel - e a su­bor­di­nada Ro­sa­lind Fran­klin, mais a sua, dele, ob­sessão em correr com ela!)

A ver­dade é ter a des­co­berta da es­tru­tura do ADN cons­ti­tuído um passo prin­cipal na ca­mi­nhada tanto para o co­nhe­ci­mento do me­ca­nismo de he­re­di­ta­ri­e­dade como para a com­pre­ensão dos me­ca­nismos de fun­ci­o­na­mento da Vida, seja du­rante a sua fase de de­sen­vol­vi­mento seja na ma­nu­tenção do es­sen­cial da es­tru­tura dos or­ga­nismos, no­me­a­da­mente du­rante a sua fase adulta. Além disso, como é sa­bido, é certo ser o con­junto do ADN exis­tente num or­ga­nismo - o seu ge­noma - ca­rac­te­rís­tico de cada es­pécie, mas o facto ainda mais mar­cante é o da grande uni­dade da Vida con­subs­tan­ciada na na­tu­reza do ADN.

E em tão pouco tempo - meio sé­culo - o que já nos trouxe de novo, e mesmo de dis­rup­tivo, a des­co­berta da es­tru­tura da mo­lé­cula do ADN!

(1) - Watson, James D. (1987), A Dupla Hé­lice - Um Re­lato Pes­soal da Des­co­berta da Es­trura do ADN, p. 199. Lisboa, Gra­diva.
(2) - Watson, James D. (1987), A Dupla Hé­lice - Um Re­lato Pes­soal da Des­co­berta da Es­trura do ADN, p.47-48. Lisboa, Gra­diva.



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