na Assembleia da República
Contra o crime e pela paz
Carlos Carvalhas apresentou ontem, na Assembleia da República, a moção de censura do PCP ao Governo. O Secretário-geral do Partido começou por lembrar que o executivo de Durão Barroso não desconhecia que a Administração Bush «faria a guerra ao Iraque com a ONU ou sem a ONU». Publicamos hoje excertos do discurso do dirigente comunista.
«É por isso que esta moção de censura é uma moção contra a hipocrisia e a mentira, é uma moção pela verdade.
«Contra a hipocrisia e a mentira porque o Governo português sabe muito bem que o que está em causa não é o desarmamento e a democratização do Iraque ou mesmo o derrube do ditador por um país com uma longa e afectuosa convivência com ditaduras – da Arábia Saudita ao Paquistão, do Sudão à Indonésia de 1965, do Chile de Pinochet ao ditador Saddam Hussain. O que está em causa não é a paz face à pseudo-perigosidade do regime. Não se constrói a paz, nem se combate o terrorismo com bombardeamentos. Uma guerra imoral ilegítima e de rapina é sim o melhor meio para criar o caldo de cultura da vingança, dos actos desesperados, dos fundamentalismos.
O que está em causa é a nova ordem do Império, o domínio da região e dos ricos recursos petrolíferos iraquianos pelos EUA: a "BUSH OIL Connection".»
Carvalhas sublinhou depois:
«Esta moção de censura é, também por isso, uma moção contra o cinismo e pela autenticidade.
«Contra o cinismo daqueles que, na véspera da Cimeira dos Açores, afirmavam que aquela era a última oportunidade para a paz quando tudo já estava decidido; contra o cinismo dos que afirmavam que ainda havia 1% de chances para a paz quando sabiam que 1% de chances, se as havia, era para os nove países do Conselho de Segurança, virem a apoiar uma segunda Resolução salvando a face dos falcões e designadamente de Blair e de Aznar.
«Contra o cinismo daqueles que consideraram muito importante que na cimeira dos Açores e à beira do desencadeamento da guerra os EUA viessem fazer promessas de solução do conflito israelo-palestiniano, quando é bem conhecido o prolongado apoio e a cumplicidade da Administração Bush com a política criminosa de Sharon e com o desrespeito por parte de Israel das várias resoluções da ONU.
«Contra o cinismo daqueles que, como Bush se reclamam da fé cristã, mas que objectivamente decidiram e apoiaram o massacre de inocentes e a barbárie da guerra.
«Esta moção de censura é uma moção contra a força e pelo direito dos povos a serem os donos dos seus próprios destinos», afirmou de seguida, salientando que «esta é uma guerra ilegítima e ilegal, decidida contra a vontade do Conselho de Segurança e à margem da ONU».
«Por isso, esta moção é de censura a um Governo que apoia este acto de agressão a um país soberano, que apoia esta guerra dita preventiva e unilateral, fazendo prevalecer a força contra o direito.
«Mas esta moção de censura ao Governo é também uma moção de censura contra a vassalagem e pela dignidade.
«O envolvimento de Portugal nos preparativos da guerra e o apoio do Governo a esta guerra, é um acto de vassalagem ao império que envergonha Portugal.
«Pelo artigo 7.º da Constituição da República Portuguesa, que a todos obriga, Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional e não pela subserviência; rege-se pela solução pacífica dos conflitos internacionais e não pelo apoio à guerra antes de estar esgotada sequer a via das inspecções da ONU; rege-se pela não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e não pela ingerência grosseira como tem sido feito. Todos estes princípios estão a ser violados: nem independência nacional, com um governo submisso, nem solução pacífica quando se apoia a guerra, nem não ingerência quando se defende a ingerência descarada.
«A realização do Conselho de Guerra em solo nacional com o Primeiro-Ministro de Portugal no triste papel de ajudante menor foi um acto de vassalagem que feriu os sentimentos da opinião pública, os valores do Portugal de Abril, os princípios da Constituição da República.
«Esta é ainda uma moção de censura contra o crime e pela paz», disse depois Carlos Carvlhas
«Porque neste acto de agressão, com tal desproporção de meios, o que estamos a assistir é a uma guerra criminosa. Não há guerras limpas, nem artifícios verbais como a dos chamados "danos colaterais" que escondam a morte e a destruição. E a troca de sangue por petróleo é criminosa.»
«Por isso, Sr. Primeiro-Ministro Durão Barroso, apoiante desta guerra suja: quantas crianças e cidadãos indefesos serão necessários sacrificar para satisfazer a arrogância imperial de Bush e a ganância das companhias petrolíferas americanas e inglesas?
«Quantos cidadãos, Sr. Primeiro-Ministro Durão Barroso, terão de ser condenados à morte e sacrificados no altar do lucro para que a ordem americana reine nesta região e no mundo?», interrogou.
«Diz o Primeiro-ministro que, entre a ditadura e a democracia, opta pela democracia, que entre os EUA e a ditadura do Iraque, o Governo não fica neutral, apoia a guerra de agressão dos EUA. É uma evidência que estamos perante um sofisma. A opção não é entre a democracia e a ditadura. A opção é entre a paz e a guerra; é entre o direito e o seu deliberado esmagamento, é entre a valorização e o prestígio das Nações Unidas e uma guerra unilateral.»
Antes de terminar, o dirigente comunista, que afirmou pretender, com a censura ao Governo, «dar voz à população portuguesa que está contra a guerra», declarou ainda:
«Com esta nossa iniciativa, queremos censurar o Governo e dizer-lhe que em nosso nome não compromete o país nesta guerra suja e neste acto de agressão e vassalagem. Não nos compromete, nem à maioria da opinião pública portuguesa na caução a esta guerra, nem nos cálculos frios, cínicos e ignóbeis, dos que conjecturam quanto vão ganhar na Bolsa, no petróleo, nas negociatas da reconstrução, a reconstrução de que tantos falam, sempre se esquecendo que o que a justifica é a prévia destruição que decidiram e apoiaram.»