Direitos sociais por cumprir
Em iniciativa conjunta, o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica promovem, sexta-feira, na capital portuguesa, um debate sobre a Estratégia de Lisboa.
Em declarações ao «Avante!», a deputada Ilda Figueiredo explica que esta iniciativa pretende «abordar a aplicação dos direitos económicos e sociais na União Europeia, dando particular realce à concretização da chamada "Estratégia de Lisboa". Para a recente Cimeira da Primavera, realizada a 20 e 21 de Março, em Bruxelas, a Comissão preparou um conjunto de documentos visando fazer o balanço da Estratégia de Lisboa, aprovada há três anos, durante a presidência portuguesa, e que foi apresentada como a Cimeira do Emprego».
Na altura, acrescenta, «estava-se numa fase de alguma euforia do crescimento económico, o que permitiu avançar com uma proposta que, embora muito contraditória, definia um novo objectivo estratégico para a União Europeia: tornar-se, até ao final de 2010, no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo. O que logo prenunciava um caminho perigoso, que tenderia a sacrificar o social em favor do económico, como então denunciámos».
A chamada estratégia de Lisboa, como lembra a deputada do PCP, incluía três eixos fundamentais:
- acelerar reformas estruturais, designadamente o processo de liberalização de sectores fundamentais da economia, de infra-estruturas e de serviços, destacando-se telecomunicações, gás, electricidade, transportes, serviços postais e serviços financeiros a que adicionaram a necessidade de maior flexibilidade no mercado de trabalho, na segurança social com o pretexto de responder ao desafio do envelhecimento da população;
- estabelecer metas quanto ao crescimento do emprego até 2010 (70% global e 60% e para as mulheres). Falava-se de pleno emprego e da sua qualidade, apontando-se a necessidade de apostar na educação e formação, no conhecimento, na investigação, inovação e novas tecnologias;
- apostar na modernização do modelo social, apontando-se para uma nova Agenda Social, e salientando-se a necessidade de combater a pobreza e exclusão social, o desemprego e os baixos níveis de escolaridade.
Entretanto, no ano seguinte, no Conselho Europeu de Gotemburgo, foi aditada a dimensão ambiental fixando-se três vertentes (económica, social e ambiental) para uma estratégia de desenvolvimento sustentável eficaz.
Caminho aberto
às privatizações
Partindo deste contexto, o debate de amanhã (ver Agenda) propõe-se fazer o balanço da estratégia de Lisboa e analisar as decisões da recente Cimeira da Primavera, incluindo a sua aplicação em Portugal, tendo em conta também, como sublinha Ilda Figueiredo, «as posições do patronato europeu (UNICE) e português (AIP e CIP) que recentemente reafirmaram o seu apoio às linhas de acção traçadas em Lisboa, considerando-a "uma base importante para a prossecução do objectivo estratégico de tornar a UE no espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo baseado no conhecimento"».
Nestes três anos, acrescenta a deputada «os maiores avanços deram-se em tudo o que se referia às liberalizações, designadamente nos serviços financeiros e áreas conexas, na energia, em certas áreas dos transportes, serviços postais e acesso aos serviços portuários, estando a decorrer negociações visando novas liberalizações em torno do céu único europeu e de várias áreas dos transportes de passageiros».
Entretanto, «há uma crescente pressão para novas regras da concorrência, dos serviços e concursos públicos, certos aspectos da tributação e da aplicação do método de cooperação aberta a cada vez mais sectores, incluindo as pensões e reformas e a saúde, visando pressionar a privatização de alguns serviços mais rentáveis. Igualmente se mantém a pressão para desbloquear o dossier sobre a patente comunitária, para liberalizar os mercados, promover o investimento empresarial na investigação, desenvolvimento e inovação e flexibilizar o mercado de trabalho».
Vertente social esquecida
Revelador da pouca importância que as autoridades europeias têm dado às questões sociais é o facto de a própria Comissão «lamentar a falta de dados actualizados sobre o combate à pobreza e exclusão social» - refere Ilda Figueiredo – e reconhecer «os poucos progressos na contenção do abandono escolar precoce e na redução da desigualdade entre homens e mulheres».
As insuficiências são igualmente evidentes a nível ambiental e do desenvolvimento sustentável, admitindo o executivo comunitário que «as catástrofes naturais e as provocadas pelo Homem, como o recente naufrágio do Prestigie, exigem maior atenção para implementar a legislação ambiental e completá-la através da utilização de instrumentos económicos».
A mesma tibieza é demonstrada face aos objectivos do emprego: «A Comissão, embora reafirme que os objectivos de Lisboa permanecem ao alcance, afirma não ser certo ainda que possam ser cumpridos, dadas as condições políticas e económicas que dificultam o seu cumprimento. Mas nunca reconhece as contradições existentes em toda a estratégia, designadamente que a insistência em acelerar liberalizações e privatizações e a teimosia em manter critérios de convergência nominal do Pacto de Estabilidade, ainda que com maior flexibilidade, são as principais causas do agravamento do desemprego, o bloqueio essencial à criação de empregos de qualidade e um entrave a maior inclusão social».
«É neste contexto que vamos analisar a evolução da situação durante estes três anos, aprofundando o que se passa quanto ao cumprimento dos direitos económicos e sociais, através de alguns exemplos concretos da situação portuguesa e europeia, com a intervenção de deputados do nosso grupo de países como a França e a Suécia, a participação de sindicalistas, membros de comissões de trabalhadores e diversas organizações sociais, deputados e dirigentes do nosso partido».