Passo a passo...

Jorge Messias
Não há ainda muito tempo, um jornal de grande circulação (JN,23.7.003) divulgou uma história deliciosa. Fátima Felgueiras, a autarca fugitiva, prepara activamente a instalação em Portugal de uma «rede de apoios» que garanta a sua própria absolvição. Destacados membros do Opus Dei e do clero, sobretudo das dioceses do Porto e de Fátima/Leiria, apoiam a iniciativa de Fátima. Dizia-se no JN, citando um membro não identificado do OD: «O caso, já depois da fuga, chegou a ser abordado em Fátima, informalmente e antes de uma reunião do Episcopado. Mas não creio que alguém da Igreja, a título institucional, tome uma posição mesmo que discreta. A solidariedade demonstrada por D.Armindo, em Janeiro, foi um erro involuntário porque foi mal cal­cu­lado» (o sublinhado é nosso). O jornal foi ouvir alguns bispos sobre o assunto. Depois de, evidentemente, desmentirem as notícias do apoio da igreja à autarca, os bispos lá foram acrescentando: «Nesta fase, em que há muitos casos judiciais abertos, é impossível. Futuramente, não sei...» (resposta do porta-voz do bispo do Porto, D. Armindo Lopes). «Intercedo para que se faça Justiça!» - foi a sibilina declaração de D. Serafim Ferreira, bispo de Fátima/Leiria. «É complicado e difícil que a Igreja tenha essa actuação. No en­tanto, de­pende do modo como as coisas forem abor­dadas e os mo­tivos in­vo­cados. Por minha parte, em prin­cípio, não me me­terei, só se houver ra­zões ca­ri­ta­tivas que o jus­ti­fi­quem», re­plicou ne­bu­lo­sa­mente D. Ma­nuel Mar­tins, ex-bispo de Se­túbal (de novo, o su­bli­nhado é nosso). Evi­den­te­mente que toda esta his­tória - que pro­mete! - pode ser abor­dada a partir de va­ri­ados e pro­vei­tosos ân­gulos de in­for­mação. Numa so­ci­e­dade como a por­tu­guesa, mi­nada por múl­ti­plos es­cân­dalos, quantos deles não es­tarão re­la­ci­o­nados com os ne­gó­cios da igreja? Se o caso de Fá­tima Fel­gueiras vier a re­velar-se es­cal­dante, tra­zendo para ter­reno aberto o OD e a CEP, abrir-se-ão as portas ao novo ques­ti­o­na­mento de tantas ou­tras his­tó­rias es­can­da­losas que fi­caram pelo ca­minho? De mo­mento, im­porta fazer aqui duas breves ano­ta­ções. A pri­meira é acerca das es­tra­té­gias que nor­mal­mente vin­culam a co­mu­ni­cação so­cial à de­fesa dos tabus e dos in­te­resses da igreja. Basta ver-se que quando um po­lí­tico tran­sita para o go­verno ou para um lugar no apa­relho do Es­tado são nor­mal­mente re­fe­ridos os seus cur­rí­culos no ser­viço pú­blico ou em em­presas pri­vadas. Até certa al­tura, os media ainda apon­tavam a par­ti­ci­pação dos ho­mens pú­blicos nal­gumas es­tru­turas la­te­rais da igreja. De Gu­terres, sabia-se estar li­gado aos Ca­sais de Santa Maria. Lurdes Pin­ta­silgo, ao GRAAL. Assim for­ne­cida, a in­for­mação quase nada es­cla­recia. O ci­dadão é livre nas suas con­vic­ções e na forma como as con­cre­tiza.Só nal­guns casos os jor­nais acei­tavam es­ta­be­lecer a re­lacão igreja/​po­lí­tica/​in­te­resses pri­vados. Soube-se que Mota Amaral e Jardim Gon­çalves são mem­bros do Opus Dei, tal como o foi Amaro da Costa. Que o p. Me­lí­cias salta cons­tan­te­mente da Igreja para o Es­tado e, deste, para os in­te­resses pri­vados. Que Er­nâni Lopes re­pre­senta o país na Eu­ropa, a banca no país e a di­reita no Pa­tri­ar­cado. E pouco mais. É o «déjà vu», o que já está visto. Mas quando as vozes mur­muram que o recém-no­meado é homem de con­fi­ança da Obra, do Hu­ma­nismo e Li­ber­dade, do Co­mu­nhão e Li­ber­tação, nada disso se re­fere. Fica, então, cor­tado o in­vi­sível fio da in­for­mação. Ocultou-se o es­sen­cial. Foi assim que, ainda há poucos dias, Ar­lindo Cunha, ex-mi­nistro da Agri­cul­tura e membro do OD, pôde ser con­du­zido, por uma opaca co­li­gação de au­tar­quias PS/​PSD/​CDS, para o im­por­tante cargo de res­pon­sável pela Co­missão de Co­or­de­nação da Re­gião Norte. Caber-lhe-á, entre ou­tras ta­refas, a da ar­ti­cu­lação dos mo­vi­mentos cí­vicos lo­cais com a ad­mi­nis­tração cen­tral, função tanto mais es­sen­cial quanto é certo que, como se sabe, já foi ofi­ci­al­mente re­co­nhe­cida a esses mo­vi­mentos ca­pa­ci­dade para con­cor­rerem às pró­ximas elei­ções au­tár­quicas. Assim como, na Saúde, viu-se o p. Me­lí­cias ser su­bi­ta­mente trans­plan­tado das suas es­feras na­tu­rais para uma Pla­ta­forma de Fis­ca­li­zação dos Hos­pi­tais S.A,, órgão re­cen­te­mente ima­gi­nado para ga­rantir o res­peito pelo Ser­viço Na­ci­onal de Saúde junto das ad­mi­nis­tra­ções dos hos­pi­tais pú­blicos trans­for­mados em SAS ! É o de­se­jado tra­balho em rede.


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